Exibidor

Publicidade

Artigo / Legislação

03 Novembro 2020

Tributação de plataformas e serviços digitais

O estudo da OCDE e a tributação no Brasil

Compartilhe:

Durante o ano marcado pela pandemia de COVID-19, muitas empresas fecharam as portas enquanto outros negócios apresentaram crescimento substancial. Para identificar esses negócios basta fazer o exercício de pensar em quais foram as novas assinaturas e serviços que você adquiriu nos últimos meses.

Publicidade fechar X

Pois bem, dentre este segundo grupo estão as plataformas que permitem a interface entre usuários, viabilizando operações de compra e venda de bens e serviços, bem como disponibilização de conteúdos digitais diversos, como aplicativos, músicas, vídeos, textos, jogos, com destaque para as gigantes da tecnologia:  Facebook, Amazon, Microsoft, Apple e Google (representadas sob a sigla “FAMAG”).

A atuação de grande parte das empresas de tecnologia independe da presença física das empresas nos países onde estão localizados os usuários, ou seja, a operação física pode rodar nos EUA ou na China e obter receita globalmente, de Guiné-Bissau a Brunei, com divulgação de conteúdos produzidos em países latinos e propagandas de empresas europeias.  Enfim, tem-se hoje a globalização do consumo e concentração da receita. Além disso, em razão de estruturas societárias sofisticadas, tais empresas acabam direcionando seus lucros para países com menor tributação.

Diante deste cenário que indica um descompasso entre a origem de receitas e aferição de resultados, diversos países passaram a debater sobre um cenário de desequilíbrio fiscal em razão da digitalização da economia e a OCDE, em 2013, instituiu o Projeto BEPS[1] (Base Erosion and Profit Shifting) com o intuito  de estudar formas para a obtenção de equilíbrio e transparência fiscal e desenhar um plano de tributação sobre as operações e serviços digitais disponibilizados por gigantes da tecnologia, que hoje usam estratégias para evitar tributação.

A preocupação é válida porque a concentração dessas operações é algo que tem impacto em todos os mercados. Essa é a razão pela qual França e Itália, dentre 23 países, instituíram tributação sobre a receita de empresas. No caso da França e da Itália, a tributação é de 3% sobre a renda e receita bruta, respectivamente, obtida a partir de operações com usuários franceses e italianos.

Conforme aponta o estudo recentemente atualizado da KPMG[2], 23 países já promulgaram lei tributando de forma direta tais serviços, isto é, implementaram algum tipo de DST (Digital Service Taxation), seja para alcançar operações de plataformas com interação entre usuários para a venda de produtos e serviços, operações de publicidade e serviços de streaming. Além desses, nove países se posicionaram favoravelmente à implementação de uma tributação direta; quatro países estão desenhando alternativas e realizando consultas; enquanto oito aguardam uma solução global. O fato é que esta matéria está na agenda global de tributação e teremos, nós brasileiros, que enfrentá-la. 

No entanto, a argumentação que vem sendo adotada por parlamentares brasileiros em alguns projetos de lei recentemente apresentados que pretendem tributar plataformas e instituir tributos sobre serviços digitais, incluindo streaming, parte de premissas incorretas e mostra amplo desconhecimento do que ocorre em matéria de tributação no Brasil e no mundo. Dentre tais projetos destacamos os PLP 218 e 241/2020, apresentados pelo Dep. Danilo Forte (PSDB-CE) que indicam a necessidade de se criar “Contribuição Social Especial” sobre serviços digitais prestados por grandes empresas; e o PL 2358/2020, apresentado pelo Dep. João Maia (PL-RN), que propõe a instituição de uma nova “Contribuição de Intervenção sobre Domínio Econômico”, nomeada CIDE-Digital, sobre receita bruta de serviços digitais, também de grandes grupos.

O ponto que merece ser ressaltado, com letras garrafais, é que o Brasil já tributa receita bruta com a cobrança do PIS e da COFINS. O IRPJ e CSLL, ainda que calculados com base no regime do Lucro Real, são tributos cuja base tributável é bastante ampla em razão das inúmeras limitações para a dedução de despesas realizadas pelas companhias. O Imposto sobre Serviços, de competência dos Municípios, também incide sobre o preço total do serviço, ou seja, receita bruta e não sobre um “valor agregado”.  Ou seja, diferentemente de outros países, a tributação brasileira incide sobre a operação, isto é, sobre a receita bruta. E, em razão desta tributação da operação, a distribuição de lucros ou dividendos aos sócios é realizada sem a incidência de tributos, porque a carga tributária já foi imposta.

Outro projeto que merece menção é o da Senadora Zenaide Maia (PROS/RN), que propõe exatamente o aumento da alíquota da COFINS para 10,6% sobre a receita bruta de plataformas digitais que auferem, cumulativamente, mais de US$ 20 milhões de receita bruta global e mais de R$ 6,5 milhões de receita no Brasil.

Além da já mencionada tributação incidente sobre as receitas das empresas brasileiras, as remessas ao exterior para pagamento de serviços prestados por empresas estrangeiras são amplamente tributadas, incidindo: Imposto de Renda, CIDE-Royalties, PIS-Importação e COFINS-Importação, bem como ISS, a depender do caso. Enfim, a receita obtida no Brasil por tais plataformas é, de forma geral, tributada, salvo operações com usuários brasileiros pagas com recursos financeiros no exterior que é um tipo de operação que merece um estudo e uma análise à parte.

Assim, não é correto assumir que as receitas decorrentes de serviços digitais disponibilizados aos usuários brasileiros não estão sendo tributadas no país, porque, em sua maioria, de fato, estão sendo tributadas. E o custo desta tributação, em termos de viabilização de operações globais no país, é altíssimo porque efetivamente afasta investimentos e realização de negócios em parcerias.

Não há dúvidas de que o debate global acerca da tributação é oportuno diante da digitalização da economia e dos novos modelos de negócio e de rentabilização. Mas, diante dos projetos que vem sendo apresentados, é preciso que o debate sobre as propostas de DST (Digital Service Taxation) seja ampliado a fim de que não sejam criadas mais distorções tributárias no ambiente legislativo extremamente complexo em que já atuamos.

 

[1] https://www.oecd.org/tax/beps/ Acesso em 28/10/2020

[2] https://tax.kpmg.us/content/dam/tax/en/pdfs/2020/digitalized-economy-taxation-developments-summary.pdf

Daniella Galvão
Daniella Galvão

Sócia do escritório CQS – Cesnik, Quintino e Salinas Advogados. Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Especialista pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBET), onde atuou como professora em programa de pós-graduação lato sensu. Especialista em Direito do Terceiro Setor pela ESA/OAB. Diretora Institucional do Instituto Tatiana Vieira. Mentora de mulheres empreendedoras e startups pela B2Mamy. Atua na área de direito tributário, consultivo e contencioso e realiza planejamento tributário de novos negócios e de startups.

Compartilhe: