28 Dezembro 2017
Análise: Os tais 52%, de quem é a culpa?
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A Folha de S.Paulo divulgou ontem (29) uma matéria sobre um suposto “boicote” dos cinemas para exibir Viva – A Vida é uma Festa em função da porcentagem da venda de ingresssos pedida pela Disney de 52%. De um lado exibidores aparentemente ‘revoltados’ com a injustiça e de outro a Disney que tem entregado sempre bons produtos e seguindo a lei de oferta e demanda, também colocou em questão sua influência e produtividade.
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Eu, como editor da Exibidor, e sabendo deste assunto há 2 semanas, tomei a decisão unilateral de não discutir este assunto abertamente até que alguém de fora da indústria comentasse. Pois bem, chegou a hora!
Há 12 anos tenho o privilégio de poucos de estar no meio da montanha e acompanhar o ponto de vista dos dois lados - distribuidores e exibidores. E tenho um privilégio maior ainda que é, além de ver, escutar estes dois lados e entender como cada um pensa. Ouço casos por parte dos exibidores e distribuidores de abusos que ferem qualquer intenção de parceria. Não estamos aqui para defender lados, mas sim para analisar os diferentes pontos de vistas e refletir junto com o mercado. Afinal, como se chegou a esses 52%, de quem é a culpa e como podemos resolver?
A parceria entre exibidores e distribuidores é composta na maioria das vezes de 50% do faturamento de um filme para cada uma das partes, o que configuraria uma bela sociedade. O problema é que essa "sociedade" já sofre alguns desgastes há algum tempo.
Veja o lado dos exibidores, por exemplo:
- Festas das distribuidoras cada vez mais arrojadas, com passagem e hotel pagas para os exibidores, somente para assistir a um produto;
- Promoções em suas respectivas bomboniéres onde, por exemplo, compre uma pipoca e um chocolate e ganhe um ingresso. Lembrando que 50% deste ingresso é da distribuidora;
- Uso de imagem dos títulos das distribuidoras para a criação de combos tematizados, onde o faturamento é exclusivo do exibidor sem participação da distribuidora;
- A cada ano que se passa, mais e mais exibidores começaram a cobrar por espaço no lobby do cinema para divulgação de material das próprias distribuidoras. Sem contar que a mesma prática também ocorre nos websites e, ultimamente, também na tela.
E do lado do distribuidor:
- Imposição de condições comerciais absurdas de títulos de pequeno ou médio porte;
- Ameaças de não marcação de um título ou outro somente por uma leve mudança em acordos passados;
- E ainda, para medo de qualquer mercado, temos uma possível concentração de poder no caso da aprovação da compra entre Disney e Fox.
O pequeno distribuidor não tem qualquer força de reclamar e tem só que engolir os abusos e - algumas vezes - extorsões do exibidor. E o pequeno exibidor, idem, para o caso da sua relação com as grandes distribuidoras.
O problema é que um dia o copo enche e transborda. E a Disney, que praticamente tem em seu line-up produtos quase certos de sucesso, tomou a frente para ditar uma nova condição comercial. E com a escassez de animações neste verão no país, se aproveitou da lei da oferta e procura.
A decisão da Disney é apenas o resultado do colapso da indústria nacional de cinema já cantado há alguns anos atrás por esta pessoa que vos escreve. São complexos de cinema com poucas salas, alta oferta de conteúdo e o distribuidor tendo que se humilhar para conseguir colocar seu produto em cartaz.
Aí, quando chegamos em um cenário favorável ao distribuidor, encontramos a receita perfeita para uma virada de mesa onde o distribuidor começa a abusar do exibidor.
O culpado em toda esta história são todos da indústria. O governo, que só pensou nestes últimos anos e apoiar filmes de qualidade duvidosa e enfiou goela abaixo para o exibidor os exibir. O exibidor, que para diminuir custos e só pensar em títulos de alta densidade, marginalizou nestes últimos anos os médios e pequenos títulos. E o distribuidor, que se humilhou demais às exigências dos exibidores.
Não estamos aqui defendendo nenhum lado, mas acusando todo o mercado, de cair numa armadilha que ele mesmo causou, quando deixa de andar lado a lado com os parceiros e pensa apenas no seu próprio lucro.
Precisamos incentivar uns aos outros a sair da inércia, a buscar sempre caminhos novos e em conjunto, juntos somos mais, separados, caminharemos sozinhos.
Marcelo Lima | marcelo.lima@tonks.com.br
Marcelo J. L. Lima é fundador e CEO da Tonks, empresa responsável pela Expocine, Portal Exibidor e Cine Marquise. Analista na indústria de cinema, Marcelo Lima também presta serviços de consultoria no setor.
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