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Artigo / Audiovisual

22 Outubro 2020

A importância do Clearance na Obra Audiovisual

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Artigo escrito em conjunto com Gabriela Pastore e Marcos Lara.

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Com o constante e intenso crescimento do mercado audiovisual brasileiro, a busca por produções com garantias jurídicas que atendam as regras, compliance e normas internacionais mais diversas, cresce de forma global e contínua.

As diretrizes (ou guidelines) adotados pelos distribuidores, plataformas de streaming e canais de TV, apontam as normas legais vigentes nos países de produção ou coprodução e determinam as normas de clearance a serem observadas.

Clearance é o processo de obtenção de permissões de terceiros, relativas à diversos aspectos da produção audiovisual. Essas permissões podem incluir roteiros, talentos, filmes, fotos, material adquirido em bancos de imagens, música, filme de arquivo, obras arquitetônicas, artes visuais, produtos e marcas, livros, jogos, obras dramáticas, etc.

Muitas vezes o clearance também contempla a Análise de Clearance, que consiste na identificação e mensuração dos riscos inerentes à veiculação de uma obra audiovisual, considerando todos os direitos de terceiros envolvidos na produção, tais como direitos autorais, de propriedade industrial, da personalidade e/ou de propriedade e ainda a avaliação de obras em domínio público.

Essa análise idealmente começa com a leitura do roteiro da série, filme ou programa de TV. Esse primeiro relatório deverá conter todos os itens que precisam de liberação de terceiros, para que as providências possam ser tomadas antes das filmagens, evitando surpresas desagradáveis como a não identificação de algum titular de direito, ou mesmo uma negativa de uso. Mas pode ocorrer, também, depois do material já filmado, com foco na avaliação de risco.

A Análise de Clearance se faz cada vez mais necessária, não só para que a obra audiovisual esteja de acordo com as normas legais e, assim, protegida de eventuais reclamações, mas também para que a produtora adquira o Seguro de Erros e Omissões (ou E&O), exigido pelos players que atuam na distribuição e exibição de conteúdo.

É importante dizer que as obras audiovisuais são consideradas como obras coletivas e ricas em elementos visuais e fonográficos que as compõem, cruciais para elaboração da narrativa pretendida. Nesse sentido, na maior parte das produções há necessidade de criação de elementos fictícios originais e também do licenciamento daqueles preexistentes, de forma que o clearance acaba sendo de suma importância para o cumprimento das normas legais.

Por ser um tema extenso e complexo, que abrange diferentes legislações e diversas possibilidades de uso que devem ser analisadas, abaixo seguem alguns exemplos de pontos sensíveis recorrentes.

O primeiro é relativo à utilização de música preexistente em uma obra audiovisual, também chamada de sincronização musical.

Existem dois tipos de direitos envolvidos na sincronização: direitos autorais relativos à obra musical (ou composição); e direitos fonográficos relativos à gravação (ou fonograma).

As autorizações a serem obtidas podem variar dependendo da forma de utilização.

Como exemplo, se a produtora pretende utilizar a gravação original de “Help” dos Beatles em um filme, significa que há uso de um fonograma extraído de um álbum e, portanto, o produtor deverá obter autorização das:

  • Editoras Musicais, que controlam os direitos sobre a obra musical, composta por John Lennon e Paul McCartney; e
  • Gravadora, que controla os direitos sobre o fonograma original dos Beatles.

Se, no entanto, um personagem estiver cantarolando “Help” em uma cena do filme, o produtor deverá obter autorização somente das editoras da obra, já que irá utilizar a composição sem o fonograma.

Muitas vezes, quando há utilização de fonogramas internacionais, o produtor precisa também obter autorizações de sindicatos. No caso de fonogramas de origem norte-americana, é comum as gravadoras exigirem pagamentos adicionais ao SAG-AFTRA, que representa os intérpretes musicais e/ou ao AFM - American Federation of Musicians of the United States, que representa os músicos executantes.

Um outro exemplo seria no caso de utilização de material adquirido em bancos de imagens.

Imagens preexistentes ou stock footage são conteúdos de vídeo ou fotografia, disponíveis para licenciamento em bancos de imagens, tais como Schutterstock, Getty Images, dentre outros.

Cada empresa possui uma política e normas especificas para a aquisição das imagens, mas a regra geral é que os bancos são detentores apenas dos direitos patrimoniais de autor das imagens e não dos direitos de terceiros que possam eventualmente estar retratados.

Desta forma, deve-se analisar a situação de cada imagem individualmente, a fim de entender os direitos envolvidos na sua utilização, tais como:

  • Direitos de Autor (foto, vídeo ou tratamento/coloração), que normalmente estão inclusos na licença obtida junto ao banco de imagem;
  • Direito da Personalidade das Pessoas retratadas, que de forma geral não estão contemplados nesse tipo de licença;
  • Direito de Propriedade Industrial sobre Marcas retratadas, as quais normalmente também não estão contempladas em uma licença de stock footage, e
  • Direitos autorais e conexos sobre Trilha Sonora (se houver), os quais necessariamente terão que ser autorizados separadamente pelos seus titulares.

Muitos veículos e empresas do setor possuem contratos pré-acordados que facilitam a compra de conteúdo em bancos de imagem, mas é fundamental que se faça uma análise pontual, levando em consideração todas as excludentes abordadas no contrato, com base no material adquirido e na conotação de uso na obra, a depender das singularidades do vídeo ou da foto, eis que em alguns casos pode ser que alguns direitos não estejam garantidos.

Outro ponto seria o uso de marcas e logotipos que, em princípio, não necessitam de permissão quando aparentes em uma produção. No entando, o produtor, junto ao técnico responsável pelo clearance, deve fazer uma análise de riscos para entender se as utilizações são positivas e se há algum risco envolvido.

Ainda nesse sentido, um exemplo seria a criação de cenários e cidades cenográficas, onde o produtor tem que criar materiais originais. Sempre deve haver cuidado para evitar qualquer confusão ou conotação negativa com marcas ou logomarcas preexistentes. A análise requer pesquisa de registro em órgãos competentes e/ou de estudo sobre domínio de entes governamentais.

No mais, com relação ao clearance, outro ponto sensível é a avaliação de obras em domínio público.

Uma pergunta recorrente é se, no âmbito dos direitos autorais, existem casos onde não é necessário obter permissões.

A resposta é sim, o produtor não precisará de uma licença para utilizar uma obra que seja de domínio público. No entanto, deverá ter cuidado ao determinar se precisa ou não de uma autorização.

A análise de obras em domínio público requer estudo detalhado de legislações locais e, dependendo da origem da obra a ser utilizada, de legislações internacionais, já que na maioria das vezes a obra audiovisual será comercializada globalmente.

 

Patricia Portaro
Patricia Portaro

É advogada e supervisora musical. Formada em Direito e com mestrado em Music Business, atua há quinze anos nos mercados audiovisual e publicitário. Trabalhou em mais de duzentos projetos dentre filmes, séries e comerciais, na América Latina, Estados Unidos e Reino Unido. Atualmente mora em Los Angeles e faz parte do time da empresa Air Lumiere.

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