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Artigo / Educação

05 Outubro 2020

50 anos de organização do ensino de cinema no Brasil

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Com aura de grande evento, e com razão, o XVI Congresso do FORCINE- Fórum Brasileiro de Ensino de Cinema e Audiovisual- aconteceu entre os dias 23 a 26 de setembro de 2020 de forma remota, organizado pela equipe da Universidade Federal do Rio de Janeiro- UFRJ e pela diretoria da entidade.

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Muito há a se comemorar: duas décadas se passaram, desde a primeira reunião para se criar a entidade, no final do ano de 2020, na ECA-USP, com menos de uma dúzia de cursos, motivada pela reorganização de todos os setores do cinema brasileiro, reunidos em setembro de 2000 no III Congresso Brasileiro de Cinema, em Porto Alegre.

O Forcine teve diversas vitórias durante esses anos na luta pela valorização do ensino de cinema e audiovisual, e isso merece um, ou mais, artigos à parte, porém há uma pré-história de, pelo menos, três décadas anteriores, que também merece ser valorizada, por esse motivo a compartilho com vocês.

No ano de 2004 defendi minha dissertação de mestrado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, orientada pela professora doutora Maria Dora Mourão, intitulada “A Formação em Cinema em Instituições de Ensino Superior Brasileiras -Universidade Federal Fluminense, Universidade de São Paulo e Fundação Armando Álvares Penteado”. Nela procurei contar a história do ensino de cinema no Brasil, desde os anos da década de 1910, uma pesquisa que se constituiu em um verdadeiro trabalho arqueológico, tendo em vista a quase ausência de estudos sobre o tema. Dentre os assuntos, procurei recuperar a história de luta por um ensino superior de cinema no nosso País.

Se hoje temos muito mais de cem cursos superiores de cinema e audiovisual, quase 150 e há vinte anos não tínhamos mais do que doze escolas, imaginem, então, o cenário, em 1970, no Brasil.

O 1º Encontro Nacional de Cursos de Cinema, ocorreu em Brasília, de 27 de novembro a 03 de dezembro de 1970. A Universidade de Brasília, UnB, sediou esse encontro, durante o VI Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, organizado pela Fundação Cultural do Distrito Federal e pelo Instituto de Artes e Arquitetura da Universidade.

O encontro reuniu os principais cursos de cinema da época, a maioria livre ou de extensão, como  Grupo Experimental de Cinema,  GEC, da Universidade Federal da Bahia, representado pelo professor Guido Araújo e pelo estudante Djalma Novaes Correa; o Curso de Cinema do MAM-RJ, com os professores José Carlos Avellar, Ronald Monteiro e o estudante Ivo Milan; a Escola de Belas Artes da UFMG, através do professor José Tavares de Barros; a Escola Superior de Cinema da UCMG, pelo Pe. Eidemar Massotte e o estudante Bráulio F. Tavares Neto, e mais nove observadores; o Instituto de Artes e Comunicação Social da UFF, com o delegado Roberto Duarte Alvares de Castro; a Escola Superior de Cinema São Luiz, com o Pe. José Lopez; o Departamento de Artes Visuais e Cinema da UnB, com o professor Fernando Duarte, o estudante Carlos Augusto Ribeiro Júnior e observadores Geraldo Sobral Rocha, Vladmir Carvalho, Miguel Freire, Nuno César, Alberto Roserio Cavalcanti, Zeca Nobre, Luís Márcio Umbelino Lobo; o Departamento de Comunicação da UnB, representado pelo professor Geraldo da Rocha Moraes e pelo estudante José Carlos Romancini; a Universidade Federal da Paraíba, com o professor Virginius da Gama e Melo e o Curso de Cinema da Escola de Comunicações e Artes da USP, com delegação composta pelo professor Rudá de Andrade, o estudante Jaime Covolan e pelos observadores Maria Candida do Val, Sandra Coelho de Souza, Sérgio Luis Bianchi, Marcelo Norberto Kanhs, Carlos Roberto de Souza, Paulo Afonso Seefelder,, Washington Mazola Racy, Elza de Mauro, Elizabeth Kechichian, Denise Abrantes Banho, João Zacchi, Geny Sallovitz, Carlos Augusto Calil, Edgard Amorim e Silvia Naves.

Faço questão de citar esses nomes porque vários deles se tornaram expoentes importantíssimos para o cinema brasileiro.

Na abertura, o cineasta e professor Vladmir Carvalho, chefe do Departamento de Artes Visuais e Cinema do Instituto de Artes e Arquitetura da UnB chamava a atenção para a realidade do ensino de cinema:

Vencida a etapa pioneira e heroica do autodidatismo, em que se confundiram intuitos diletantes e o espírito empresarial incipiente, o cinema nacional, ao longo de sua trajetória nos últimos dez anos, identificou o verdadeiro papel que lhe estava reservado no quadro das iniciativas brasileiras (..) Dentre estas instituições avulta a universidade brasileira, fator mais que ponderável do desenvolvimento sócio- econômico, cuja missão de formar profissionais de grau superior não poderia ignorar as solicitações do cinema (...) Todavia, mesmo completando meia década de presença ativa na Universidade, os Cursos de Cinema não lograram ainda atingir na estrutura universitária uma posição que faça justiça ao status da atividade cinematográfica enquanto mercado profissional e fenômeno cultural já dimensionados na vida do país. A não oficialização dos cursos, com a adoção de seu curriculum respectivo e sua implantação definitiva são peças fundamentais que em escala nacional, ao nível de apelo do cinema, preocupam os corpos discentes e docentes, sintonizados com estes temas do ensino superior (ENCONTRO NACIONAL DE CURSOS DE CINEMA, 1°, Brasília, DF. 1970. Biblioteca da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília/ cópia reprográfica).

Os temas do Encontro foram: currículos dos cursos; corpo docente; Intercâmbio e Oficialização dos cursos.  Sobre os Currículos dos Cursos foi resolvido que as discussões sempre garantissem a paridade de alunos e professores e a inclusão das disciplinas adotadas “em um currículo mínimo”, onde estivessem previstas as seguintes disciplinas:  a) Na área de Técnica e Prática: Técnica de Planejamento Cinematográfico; Técnica de Filmagem; Técnica de Edição e b) Na área de Teoria Cinematográfica: Análise do Filme Cinema Brasileiro Contemporâneo.

Sobre Convênios estimulou-se o intercâmbio entre as escolas via projeção de filmes, convênio entre si e com Universidades, fundações, órgãos oficiais e particulares, de equipamentos, pesquisas e estágios.

No tema Oficialização dos Cursos, após serem feitas considerações acerca da importância de uma boa formação dos profissionais de cinema via Universidade, que traria benefícios de tempo, metodicidade e nível, sugeriu-se a oficialização do ensino de Cinema em nível superior, regulamentado pelo Conselho Federal de Educação através da assessoria do Instituto Nacional de Cinema, em conjunto com os cursos presentes ao Encontro.

Sobre o Corpo Discente, o 1º Encontro queria a garantia de sua participação, em todas as instâncias decisórias dos cursos.

Sobre o Corpo Docente a proposta de contratação de profissionais utilizando o critério básico da experiência no campo profissional, no campo da pesquisa e no nível de conhecimento dos candidatos, independente do diploma de curso superior, com escalas de classificação hierárquica e salarial.

Novamente a questão da presença de profissionais sem titulação docente nos cursos de cinema foi vista como positiva.

Interessante como muitas dessas deliberações ainda carecem de serem adotadas, até mesmo por uma visão conservadora do Ministério da Educação, que não percebe a importância de ter nos quadros das universidades um equilíbrio entre pessoas tituladas e pessoas atuantes no mercado profissional.

Quinze anos depois, em 1985, as escolas voltaram a se encontrar nos Encontros Nacionais de Ensino de Cinema, conhecidos como ENECS, situação que perdurou até1994.

Em entrevista à dissertação supra mencionada, a professora Maria Dora Mourão apresentou uma síntese dos ENECS. Os primeiros encontros foram anuais, o primeiro, em 1985 foi promovido pelo Centro de Ciências Humanas do Curso de Comunicação Social da UNAERP - Associação de Ensino de Ribeirão Preto. No ano seguinte, em 1986, ocorreu no 19º Festival de Brasília, nele discutiu-se especificamente, uma "Proposta de um currículo mínimo específico e autônomo para os Cursos de Cinema". Em 1987, o encontro foi organizado pelo 19º Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais realizado em São João del Rey.  No mesmo ano foi realizada uma reunião da Comissão Executiva do ENEC durante a Jornada de Cinema da Bahia.

Em 1988 o Encontro ocorreu em junho, no 20º Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais em Poços de Caldas.

Em 1988 foi realizado na ECA-USP um Seminário Nacional de Ensino de Cinema. Em novembro de 1989 ocorreu em Fortaleza um Encontro sobre a formação para o setor audiovisual do Brasil onde foi apresentada e discutida a proposta de autonomia curricular para as escolas de cinema.

Apesar da crise da Era Collor, o ENEC de 1991 foi promovido, em setembro, pela XVIII Jornada Internacional de Cinema da Bahia. Em setembro de 1994 o último ENEC foi promovido na XXI Jornada Internacional de Cinema da Bahia. Nele foram discutidos problemas de currículo e questões de pedagogia do ensino de cinema. Ao final, deliberou-se pela uma proposta de um currículo autônomo e específico para os Cursos de Cinema, totalmente desvinculado do Currículo Mínimo de Comunicação Social, proposta aprovada pelo então Conselho Federal da Educação (MEC). De fato, em 2006 obtivemos um enorme avanço para os nossos cursos, através da aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação de Cinema e Audiovisual e dá outras providências, graças a atuação exemplar do Forcine.

Mais de três décadas depois do 1º Encontro em Brasília, foi criada oficialmente nossa entidade nacional representativa do ensino de cinema e audiovisual, o FORCINE, para congregar e representar as instituições brasileiras dedicadas ao ensino de cinema e audiovisual, promovendo o debate e o intercâmbio de experiências e temas pertinentes a esta atividade.

O FORCINE foi pensado a partir do 3° Congresso Brasileiro de Cinema, ocorrido em Porto Alegre, 28 de junho a 1° de julho de 2000, que deliberou sobre o ensino de cinema. A decisão para a criação do FORCINE se deu nos dias 08 e 09 de dezembro de 2000, através de um encontro de escolas de cinema e audiovisual na Universidade de São Paulo, promovido pelo CTR ECA/ USP, neste encontro reuniram-se: Faculdade de Tecnologia e Ciências (Salvador, BA); Fundação Armando Álvares Penteado (São Paulo, SP); Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (RJ); Universidade Gama Filho ( Rio de Janeiro, RJ); Universidade Federal de São Carlos (S. Carlos, SP), Universidade de São Paulo (São Paulo, SP); Instituto Dragão do Mar de Artes e Indústria Audiovisual (Fortaleza, CE); Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, RS); Universidade de Brasília (DF); Universidade Federal Fluminense (Niterói, RJ); Universidade Estadual de Campinas (Campinas, SP); Universidade Federal de Minas Gerais (Belo Horizonte, MG); Universidade Federal do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ) e Faculdades Integradas Hélio Alonso (Rio de Janeiro, RJ), que figuram como entidades fundadoras do FORCINE. Na condição de convidados estavam o Congresso Brasileiro de Cinema, o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica do Estado de São Paulo, a Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema, a Secretaria Municipal de Cultura de Belo Horizonte e a Universidade Metodista de São Paulo.

A história do Forcine, que completa duas décadas, é repleta de conquistas, mas isso merece um relato próprio. Por hora, vamos ficar na pré-história mesmo.

Luciana Rodrigues
Luciana Rodrigues

Luciana Rodrigues é coordenadora da Pós-Graduação em Gestão de Produção e Negócios Audiovisuais da FAAP e professora na mesma instituição. É parecerista da ANCINE, colaborou na criação e foi presidente do FORCINE- FÓRUM BRASILEIRO DE ENSINO DE CINEMA E AUDIOVISUAL. É Doutora e Mestre na área do Audiovisual pela USP, possui bacharelados em Comunicação- com Habilitação em Cinema- e em Direito.

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