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Artigo / Audiovisual

30 Setembro 2020

Por que o Brasil precisa conhecer “O Sequestro do Voo 375”

O filme, que valoriza os heróis esquecidos, contará a história do avião sequestrado há 32 anos por um desempregado que queria matar o presidente Sarney. O piloto Fernando Murilo salvou 103 pessoas, mas perdeu seu co-piloto e amigo

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A história que será contada no filme “O Sequestro do Voo 375”, uma produção da Estúdio Escarlate Conteúdo Audiovisual em coprodução com a LTC Produções, completou 32 anos nesta terça-feira, 29 de setembro. O personagem principal do longa-metragem, o comandante Fernando Murilo, que impediu que o avião da Vasp sequestrado em 1988 pelo marenhense Raimundo Nonato atingisse o Palácio do Planalto e salvou 103 pessoas, morreu há um mês, em sua casa em Búzios. Aos 68 anos, ele teve uma septicemia em consequência de complicações geradas pela diabetes. Estava aposentado. Infelizmente ele morreu antes do filme dirigido por Marcos Baldini com roteiro de Lusa Silvestre ganhar as telas. Coube a mim a pesquisa de toda a história e o fio da meada da motivação para tirá-la do esquecimento. Se esse episódio tivesse acontecido nos Estados Unidos, certamente no ano seguinte estaria no cinema. O Brasil tem pouca memória e não é incomum que seus heróis sejam esquecidos. Recentemente a Secom (Secretaria de Comunicação do Governo Federal) fez uma campanha para valorizar nossos heróis e não lembrou do comandante Fernando Murilo e todos os envolvidos no caso.

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Antes de entrar no caso, é preciso contar chegamos a ele por causa de um trauma que vivi. Em 2010, fui contratado para ser correspondente internacional da TV Record na África do Sul, em substituição ao profissional que estava por lá desde de 2009. Foram quase dois anos em solo africano, cobrindo pautas em alguns países pelo continente. Em uma viagem a Moçambique, durante um voo entre as cidades de Tete e Maputo, o avião em que estava, um 737-300 (primeira coincidência), voava em uma forte chuva com raios e trovões.  Em determinado momento, ouvimos um forte estalo. O avião subitamente apontou o bico para baixo, causando pânico geral. Eu que estava na última poltrona. Consegui ver toda a extensão do avião e a inclinação. Caíram bandejas de lanches, garrafas, copos, papéis. Foram cerca de dez segundos até que o avião fosse estabilizado e voltasse a certa normalidade. Depois disso, desenvolvi uma síndrome do pânico.

Todas as vezes que entro em um avião, essa imagem passa por minha mente. Mesmo conversando com vários pilotos e especialistas, ainda tenho medo de voar. Já fiz viagens de ônibus, adiantando minha partida, para evitar pegar um voo. Mas sempre que preciso, encaro esse monstro. Durante seis meses tive que fazer uso de medicamento para dormir e tomar remédios para voos mais longos. Por conta disso, resolvi voltar para o Brasil e tocar minha vida com menos viagens aéreas.Nunca consegui resposta da tripulação sobre o motivo da pane. Pelo impacto que o incidente gerou na minha vida, resolvi pesquisar assuntos relacionados a manutenção de aviões e causas prováveis de defeitos que acabam em acidentes. Em 2012, tive a ideia de fazer um documentário para mostrar detalhes do cotidiano em aeroportos, hangares e manutenção de aeronaves. Nesta época, eu estava em Belo Horizonte (segunda coincidência). Durante as pesquisas, um amigo bibliotecário e pesquisador, Marcos Alvarenga, sugeriu que eu buscasse informações sobre um sequestro ocorrido em 1988, que teve início exatamente em Belo Horizonte. A partir daí, minhas buscas foram todas direcionadas para este caso, que havia sido esquecido. Eu mesmo já trabalhava em TV na época, cobri o caso e não me lembrava mais.

Comecei as pesquisas pela Polícia Federal e cheguei ao COT – Comando de Operações Táticas. Descobri que, pela primeira vez, eles iriam falar com um jornalista sobre o caso. Fui apresentado ao delegado Daniel Sampaio que na ocasião chefiou a operação de negociação e resgate. Falei com um dos atiradores de elite, Luis Conde, e ambos concederam entrevistas contando os detalhes da operação. Na CECOMSAER (Centro de Comunicação Social da Aeronáutica), conversei com o então Capitão Ribeiro, hoje Coronel Ribeiro. Ele prontamente disponibilizou toda a estrutura para localizar os participantes daquela operação, incluindo pilotos, controladores de voo, oficiais responsáveis ainda vivos e também a possibilidade de produção de imagens necessárias em suas dependências. Também foi a primeira vez que a Força Aérea Brasileira falou sobre o caso.

Durante alguns meses, localizei passageiros, tripulantes, profissionais de imprensa, policiais federais, mas dois personagens foram fundamentais para a sequência do projeto. Wendy Evangelista, filha do co-piloto morto Salvador Evangelista e o comandante Fernando Murilo. Wendy tinha sete anos quando o seu pai foi morto pelo sequestrador Raimundo Nonato. Ele apenas se abaixou para pegar o fone de comunicação para responder à torre de controle, como sempre fez, mas o homem armado que os fez refém imaginou que ele pegaria uma arma. Atirou em sua cabeça a sangue frio. Aos 31 anos, Wendy nos recebeu em sua casa para nos contar sobre o que aconteceu naquele dia. Foi um relato emocionado.  Ela narrou a dor por ter perdido seu pai por conta de uma pessoa desequilibrada, que queria matar o então presidente da república José Sarney mas acabou matando o seu pai. Hoje eu me considero um amigo da família. Sempre nos comunicamos e trocamos ideias sobre o filme.

Fernando Murilo era o piloto do voo Vasp 375 naquele 29 de setembro de 1988. Conhecido na área de aviação, amigo e extremamente profissional. Quando consegui o seu contato e liguei para ele, fui atendido por um senhor muito gentil e solícito. Nem precisei de muito tempo para que ele me contasse em detalhes o que havia acontecido naquele dia. Um cara de bom papo e sorriso fácil, apesar do que aconteceu e da perda trágica de um grande amigo naquele dia. Salvador Evangelista, além de companheiro de cabine, era o seu compadre. Fernando é o padrinho de Wendy. Tive que interromper a conversa por telefone, pedindo que ele guardasse toda a história para o dia que fossemos a Curitiba – onde ele morava na época - pra gravar com ele.

Mantivemos vários contatos ao longo de mais alguns meses e em 2013, fui ao seu encontro com a equipe para gravar a sua história. De lá para cá, mantivemos contato constante e ele passou a ser um grande amigo. Ele só tinha uma mágoa: nunca recebeu um telefonema do Sarney, seja para agradecê-lo ou parabenizá-lo pelo ato heróico. E eu, agora, tenho uma decepção. Não conseguimos homenagear Fernando Murilo em vida.  Ele faria 73 anos em 19 de setembro.  Mas o comandante Murilo sempre considerou 29 de setembro a sua segunda data de aniversário, assim como das 103 pessoas que estavam a bordo do Boeing 737-300, o voo 375 da Vasp. É essa história incrível que o filme vai contar e os brasileiros precisam conhecer.

Constâncio Viana Coutinho
Constâncio Viana Coutinho

Jornalista e Radialista com 33 anos de experiência, passando por diversas emissoras de televisão e produtoras de vídeo, atuando em praticamente todas as áreas que envolvem o segmento. Trabalhou e desenvolveu projetos locais, nacionais e internacionais com amplo conhecimento no campo operacional de TV. Foi corresponde internacional da TV Record na África entre março de 2010 e outubro de 2011. Produtor audiovisual tem trabalhado no desenvolvimento de séries e é o pesquisador e argumentista do filme O Sequestro do Voo 375 em fase de final de desenvolvimento, que será produzido pela Escarlate Conteúdo Audiovisual com coprodução da LTC Produções.

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