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Artigo / Audiovisual

11 Setembro 2020

A experiência do cinema não pode ser reproduzida dentro de casa

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Aquela velha discussão que o cinema irá acabar e que, indiscutivelmente, ninguém mais irá ao cinema é incrivelmente infantil e precipitada. O cinema não vai acabar, mas essa próxima década irá ficar marcada por diferentes estratégias de distribuição e inúmeras experimentações. Com isso, quem enfrentará batalhas épicas como nunca antes, não serão super-heróis, robôs e nem piratas, e sim a tímida indústria do cinema independente, principalmente a do cinema independente Brasileiro.

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2020 é o marco zero. Muitas distribuidoras experimentaram lançar seus filmes direto no streaming. Outras optaram por adiarem seus lançamentos. Com a reabertura dos cinemas em diversas partes do Mundo, todos os olhos se viraram para Tenet, o novo filme de Christopher Nolan, que provou que o público está preparado e seguro para voltar aos cinemas.

Deixando a epidemia de lado, pois ela sim irá acabar em breve, as redes de cinema não tem nada a temer. A notícia de que a Disney cancelou a estreia de Mulan soou para muitos como um passo em direção ao futuro, onde os estúdios lançarão os seus filmes direto no streaming. Esse pensamento é infantil.

A estratégia da Disney foi simplesmente uma solução econômica para um período de crise, e a Disney optou por testar essa estratégia com um filme grande, claro, mas, que de certo modo, já era um filme dado como incerto nas bilheterias desde sua concepção, como reportado várias vezes pela Hollywood Reporter e o The Insider. Desde o começo, o filme da Mulan não é visto como certeiro do ponto de vista estratégico da Disney. Orçado em 200 milhões de dólares, o filme é uma versão live action do desenho de 98 que fracassou nas bilheterias, apesar de ter ganho fãs no decorrer dos anos. Mulan é um produto nostálgico pra as pessoas que viveram na época do lançamento do desenho. A mesma não é uma personagem tão conhecida do grande público como Aladin, por exemplo. Fora isso, o filme já havia sofrido protestos dos fãs assíduos nas redes sociais por decorrência do elenco, da falta de músicas e da não aparição de alguns personagens queridos. Tendo tudo isso em vista (valor do filme, reconhecimento de marca e revolta dos fãs) Mulan era sim um filme esperado, porém, não era garantia de bilheteira.

Jamais que Disney arriscaria essa estratégia com um filme como Viúva Negra, a sua maior franquia atualmente, que chegará aos cinemas americanos dia 6 de Novembro. Vale ressaltar, que Mulan chegará aos cinemas nos países que não possuem a plataforma Disney +, como por exemplo na China, que nada mais é do que o segundo maior mercado de bilheteria do Mundo. Os estúdios precisam do cinema tanto quanto o cinema precisa dos filmes blockbusters. A estratégia da Universal Studios de lançar “Troll 2”, no começo da pandemia, direto em streaming foi um sucesso. Mas, o que poucos andaram divulgando, é o fato de que o filme praticamente não teve uma carreira internacional, o que corresponde na maioria dos grandes filmes, a bem mais do que 60% de toda arrecadação de um filme. O que também é fato, é de que muitos desses filmes “lançamentos” chegarão no TVOD, e não SVOD, método que poucos brasileiros entendem. Os estúdios não vão abandonar os cinemas, principalmente com suas franquias. Provavelmente alguns filmes terão suas janelas reduzidas, ou até simultâneas, mas o público ainda vai sair de casa para assistir a grandes filmes no cinema.

A questão agora é o mercado do cinema independente de Hollywood que, inquestionavelmente, precisará de uma plástica total para se tornar relevante. E o mercado do cinema Brasileiro precisará se espelhar nele para poder existir em meio a um novo tipo de mercado cinematográfico. De certo modo, muitas distribuidoras brasileiras pequenas já deveriam estar se espelhando em distribuidoras do mercado indie americano.

A batalha pelas bilheterias sempre foi uma guerra “injusta”, onde pequenos filmes nacionais enfrentam blockbusters e filmes de outros países que já chegam em território nacional com um “cinturão de ouro” recebido em festivais de cinema e em carreiras internacionais. Resumindo: filmes brasileiros competem com filmes que já chegam em nosso território com um marketing pronto. É muito fácil dizer que ninguém vai assistir a filmes brasileiros e que o mercado está morto, sendo que o trabalho de divulgação dos mesmos são arcaicos ou inexistentes. O mercado do cinema é um dos mais competitivos que existe, e não é fazendo mais do mesmo que fará com que o público vá ao cinema assistir aos filmes.

O momento para os filmes brasileiros se destacarem é agora. A pandemia ditará várias novas regras, e agora a competição, de certo modo, estará no mesmo nível. Muitos filmes independentes que chegarão aos cinemas serão produções econômicas, com poucos atores e menos grandiosas, tudo feito para garantir uma qualidade e uma segurança para as filmagens. Com isso, restará aos distribuidores estudarem bem o seu produto, lançando-o em mercados que sejam relevantes e que seja possível fazer uma ampla divulgação para seu público alvo. O dinheiro para distribuição é pouco? Pode até ser, mas se for administrado corretamente, é possível fazer uma campanha inteligente e fora da caixa. Afinal de contas, o produtor brasileiro também precisa trabalhar sem orçamento, e consegue realizar um filme inteiro.

O pequeno exibidor não precisará se preocupar com a falta de filmes blockbusters, mas ele precisará cobrar uma estratégia criativa e diferente para os filmes nacionais que chegarão aos cinemas. Mais do que nunca, o público voltará gradualmente aos cinemas conforme a pandemia acabe. Eu acredito que o público deve voltar aos cinemas até mais do que antes, já que ele provavelmente irá querer descontar todo o ano de 2020 que ele passou enclausurado dentro de casa. Isso pode até só ser a opinião de um mero apaixonado por cinema, mas é inegável que dizer que “Ninguém mais irá ao cinema porque agora temos o streaming” é o mesmo que dizer que “Ninguém mais irá aos restaurantes porque agora temos hotpocket”. Você pode até ter uma comida “gostosa” no seu freezer, mas no restaurante você tem mais do que uma refeição, você tem uma experiência. A experiência do cinema não pode ser reproduzida dentro de casa.

Gui Pereira
Gui Pereira

Gui Pereira é fundador da Dodô Filmes, em São Paulo e cineasta. Estudou na New York Film Academy, e em seguida, formou-se pela Los Angeles Film School em 2010 e fez Pós Graduação, na Art Institute of California, onde se formou em 2012. Sua estréia no cinemas foi com o longa “Coração de Cowboy” em 2018, com a participação de Chitãozinho & Xororó, Gabriel Sater, Thaila Ayala, Thaís Pacholek, Jackson Antunes. Também trabalhou com artistas como: Tom Cavalcante, Garth Brooks e Lou Ferrigno. Recebeu prêmios em diversos festivais no mundo todo.

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