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Artigo / Legislação

03 Setembro 2020

Cobrança de direitos autorais, novas disputas

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Um tema histórico da indústria do entretenimento é a arrecadação e distribuição de direitos autorais sobre execução e comunicação ao público de obras musicais e audiovisuais. Desde antes do surgimento da primeira Lei de direitos autorais, no Brasil, em 1973, bem como com a criação do extinto Conselho Nacional de Direitos de Autor – CNDA e do ECAD – Escritório de Arrecadação de Direitos Autorais, voltado para os direitos autorais musicais e os conexos, de intérpretes e produtores fonográficos, a convivência com o sistema não é pacífica.

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A discussão também se dá pela natural incompreensão de um sistema que é compulsório, de gestão coletiva e praticamente tarifário. Normalmente os sujeitos pagadores não se sentem confortáveis com relações jurídicas unilaterais nas quais o poder de negociação é praticamente nulo.

Durante décadas televisões, cinemas, shows, locais de eventos, hotéis e, mais recentemente, plataformas digitais disputaram com o ECAD a cobrança sobre esses direitos do setor musical. Os argumentos foram desde a questão de legitimidade, notadamente pelo caráter coletivo da cobrança, sem muita possibilidade de gestão individual ou individualizada de direitos; ausência de proporcionalidade e razoabilidade das cobranças; falta de negociação livre entre quem paga e o sistema de gestão coletiva entre outros temas. De outro lado, houve uma pressão muito grande daqueles que tinham e tem direitos, os autores e intérpretes bem como as produtoras fonográficas. Diferentemente de muitos países, o Brasil cobra direitos de execução pública em favor dos produtores fonográficos, artistas e intérpretes, além dos autorais.

Foram décadas de litígio, o que resultou em perdas de todos os lados – usuários, autores e o ECAD. A Lei 9.610/1998 foi emendada em 2013, pela Lei 12.853, com o objetivo de reduzir os encargos do ECAD para os autores musicais, dar maior transparência às associações de titulares e aumentar o nível de governança. O Decreto regulamentador foi implementado (Dec.8.469/2015, depois substituído pelo Decreto 9.574/2018). Normas infralegais foram instituídas pelo extinto Ministério da Cultura, agora sucedido pelo Ministério do Turismo, regulamentado o sistema de credenciamento de entidades de gestão coletiva de direitos autorais.

A partir de então o ECAD e os setores do mercado, entraram num caminho de conciliação. O Superior Tribunal de Justiça proferiu decisões que acabaram fazendo com que as empresas do mundo digital superassem litígios, pelo que o sistema de arrecadação e distribuição de direitos autorais por comunicação ao público de obras musicais ou de obras audiovisuais que contém obras musicais, entrou num modo de convivência amistoso. Em paralelo a indústria hoteleira mantinha disputas em Tribunais e no Congresso para excluir a cobrança dos quartos de hotéis, que não deveriam ser considerados locais de frequência coletiva para fins de incidência de direitos de comunicação ao público, mas sim, equiparados a locais privados, como os lares das pessoas.

Recentemente voltou a tramitar em caráter de urgência o Projeto de Lei  3968/97 que trata da confirmação da isenção dos quartos de hotéis do pagamento desse tipo de direitos autorais. O projeto originalmente isentava órgãos públicos e entidades filantrópicas do pagamento de direitos autorais. Encontram-se apensados a ele vários outros Projetos de Lei sobre a matéria que adiciona uma série de isenções.

Não fosse a questão dos direitos musicais, uma outra onda de disputas, já previsível se avizinha. Com a mudança da Lei 9.610/1998 foi criado um procedimento administrativo no extinto Ministério da Cultura, visando o cadastramento de associações de gestão coletiva de direitos autorais, que acabou não se limitando às associações de direitos musicais que se congregam no ECAD.

Pelo menos três novas entidades de gestão coletiva, voltadas para a comunicação ao público de direitos autorais no setor audiovisual se credenciaram para exercer tais atividades, é bem verdade que deve se subordinar à legislação em vigor.

Ocorre que essas novas entidades se credenciaram com o objetivo de arrecadar e distribuidor direitos de diretores, roteiristas e artistas de obras audiovisuais. O credenciamento, contudo, não significa o reconhecimento do direito material de cobrança que essas entidades visam representar.

A Lei de Direito de Autor é explícita ao afirmar a possibilidade de exercício autônomo dos direitos de execução de obras musicais inseridas (adaptadas) a obras audiovisuais. Contudo, no que diz aos direitos de diretores e roteiristas, esses são, por definição coautores da obra audiovisual, presumindo-se, por lei, a transferência de todos os direitos ao produtor audiovisual. Com relação aos artistas, igualmente, ainda que não coautores da obra audiovisual, como colaboradores, presume-se a cessão destes direitos ao produtor musical. Portanto, a princípio, não haveria mais nada a ser pago pelos agentes de entretenimento e comunicação, sejam televisões, cinemas, televisões por assinatura ou plataformas de vídeo sob demanda e streaming, uma vez que a licença dos direitos de exibição e disponibilização da obra audiovisual já inclui os plenos direitos de sua comunicação ao público. A relação jurídica de comunicação ao público se exaure no contrato de produção entre o produtor e aqueles que prestaram sua contribuição à obra. E, mais complexa ainda, nos países de outros regimes jurídicos, em particular aqueles do regime de copyrights  esse sistema não existe. Potencialmente esses encargos acabaria, se admitidos no futuro, sendo mais um encargo à fruição de obras audiovisuais brasileiras em detrimento de obras estrangeiras.

Ademais, o capítulo que trata de comunicação ao público somente menciona obras musicais e peças de teatro, não configurando o dever de pagamento por comunicação ao público de outros bens intangíveis, como a obra audiovisual, por exemplo.

Inobstante as questões de direito aqui mencionadas, essas novas entidades já começam a se movimentar, aprovando seus regulamentos de cobrança e ignorando as objeções do mérito desse direito que foram apresentadas é época do pedido de habilitação. Não custa lembrar que as habilitações acabaram sendo deferidas apenas avaliando o aspecto formal da documentação apresentada (estatutos e questões técnicas das entidades) e não o direito material (se os associados tinham ou não direitos).

A entidade que representa diretores já vem notificando empresas de comunicação e entretenimento objetivando cobrar cerca de um por cento do faturamento bruto como remuneração dos diretores, Se somar-se com os já pagos ao ECAD e acreditando que as outras duas entidades (roteiristas e artistas) vão para o mesmo caminho, em breve o custo seria de seis por cento sobre o faturamento bruto dos negócios, que pode ser muitas vezes maior que o lucro líquido de quem exibe, distribui e produz as obras audiovisuais.

Tirando as questões de mérito, uma das grandes objeções aos sistemas de arrecadação desses direitos é ter como base o faturamento bruto das empresas e não haver distinção entre as obras e direitos efetivamente utilizados, que se transformam em comodities. Nenhum dos elos da cadeia entende como pode um elemento que contribui para uma obra complexa, devidamente remunerado por isso, possa voltar na final da cadeia produtiva e pleitear receitas adicionais sobre o bruto das rendas e rendimentos, assumindo uma condição privilegiada, sem os riscos em relação a todos os agentes econômicos envolvidos.

Para quem achava que já tinha visto esse filme, agora ele se transforma numa minissérie de terror que já não faltava à indústria do entretenimento e comunicação, diante dos desafios atuais da disrupção tecnológica e da pandemia COVID19.

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados

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