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Artigo / Audiovisual

02 Setembro 2020

A saída para a crise é o talento de cada um e a união de autores e produtores

Suzana Pires escreveu um novo filme na pandemia e já começou o segundo. A atriz e autora fala da readaptação da vida, conta como as lives viabilizaram trabalhos, diz que o streaming é o futuro e que as salas de cinema serão experiências de luxo

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A atriz, roteirista e escritora Suzana Pires, parceira da Escarlate em projetos como o filme “De Perto Ela Não é Normal”, escrito e protagonizado por ela e dirigido por Cininha de Paula, ativou o que pode ser chamado de ‘modo resiliência’ tão logo os primeiros dias da pandemia da Covid19, em março, indicaram que os tempos de crise humanitária, recessão econômica e de isolamento social pautariam o ano de 2020. “Amor, vou te falar... se eu nasci com um talento, esse talento se chama motivação. Sou atriz, autora, mas o meu maior talento mesmo é o de não deixar a peteca cair”, ela diz, emendando o sorriso.

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Passado o impacto pelo adiamento do lançamento – às vésperas da estreia -, do filme “De Perto Ela Não é Normal”, produzido pela Escarlate, com distribuição da H2O Films em co-produção da Globo Filmes, Suzi ocupou seus dias, como todos, com readaptações da rotina. Voltou-se para os cuidados com sua família, e seu pai, que luta contra um câncer de pulmão há 4 anos. Com a vida reorganizada, ela conta nesta entrevista a Gisele Vitória, diretora de comunicação da Escarlate, como se reinventou se jogando no digital.

Suzana readaptou o Instituto Dona de Si para uma plataforma online. Assim mantém o suporte de mentoria à distância para 500 mulheres microempreendedoras aceleradas, entre lives e calls. Enquanto mergulha em novas criações de conteúdo, ela descobriu todo potencial das lives, até mesmo interpretando a peça De Perto Ela não É Normal, em transmissão online. “É a hora de criar”, diz ela, que já terminou um roteiro de um novo filme e começa a escrever outro, durante a pandemia. Um deles conta a história de uma mulher que luta contra um câncer de mama, com humor e o espírito de superação que reflete, mais do que nunca, este novo tempo. 

Como a pandemia impactou a sua vida profissional e pessoal?

Como todo mundo, primeiro sofri o impacto dos adiamentos. Estávamos lançando o filme De Perto Ela Não é Normal, com a Escarlate e com a H2O. Foi um baque para todos. Havia um investimento envolvido no lançamento, mas não só por isso. Um lançamento mobiliza equipe, contratação extra de pessoas, há toda uma preparação. Em 13 de março, Joana Henning, pela Escarlate, e Sandro Rodrigues, pela H2O,  tomaram a decisão de adiar De Perto Ela não é Normal, que tinha lançamento previsto para 2 de abril. Logo vieram todos os demais adiamentos de todos os filmes.  Eu já estava programada para fazer uma agenda louca de pré-estreias e não ia parar até o dia 2. Foi muito abrupto não só para mim, mas para todo mundo que estava envolvido no projeto. Na semana seguinte, eu fiquei completamente perdida. A agenda atribulada para cumprir tinha sido suspensa e havia um vírus altamente contagioso. Se saíssemos de casa, poderíamos pegar. Eu tenho uma realidade familiar que agrava o cenário. Meu pai tem um câncer no pulmão e resiste bravamente há quatro anos. Ele está muito bem, faz tratamento, tem uma cabeça muito positiva e é isso que o segura.  Quando tudo começou, pensei: o que eu faço com meu pai de 75 anos e esse vírus por aí? Ele não mora comigo, mas dou suporte. A família toda mora perto. Diante de uma pessoa em tratamento, mais vulnerável a desenvolver a forma grave da doença, precisei organizar tudo para protegê-lo, e a minha mãe, que tem 74 anos. Como seria a alimentação? Quem limparia a casa? Eu me voltei inteiramente para os meus pais. 

E como foi engrenar o trabalho nessa nova rotina?

Em seis meses de quarentena, saí de casa três vezes. Saí para entregar cestas básicas do Instituto Dona de Si para 150 mulheres do Morro dos Prazeres, chefes de família, líderes comunitárias, que vivem em situação de alta vulnerabilidade. E também para levar o meu pai para fazer quimioterapia. Meu objetivo virou meus pais. Quando deixei isso organizado, começamos a ter uma demanda no instituto das nossas aceleradas, que estavam quase quebrando, desesperadas. Passei abril inteiro, todos os dias, fazendo mentoria gratuita, entre lives e calls. Aos poucos, fui começando a entender o que estava acontecendo no nosso meio, no audiovisual. Sigo como atriz da Globo, não mais como autora. Isso já estava previsto. Continuo com meus projetos na Dona de Si Conteúdos Conscientes, minha produtora de conteúdo. A pandemia se tornou o momento do autor. É a hora da gente criar. É a única coisa que podemos fazer agora. Já escrevi um filme inteiro e já estou começando outro. 

Pode falar sobre os projetos?

O primeiro filme sim. O outro projeto ainda não posso detalhar. O filme se chama Câncer sim, e Daí?, inspirado no blog da Clélia Bessa, que teve câncer, e ajudou muitas mulheres, com uma narrativa muito bacana de humor e superação. Ela me chamou para ser a atriz e escrever o roteiro. A direção é da Rosane Svartman. O roteiro é meu e da Marta Mendonça. 

Você se reorganizou como pessoa e profissionalmente. Focou no seu trabalho como autora. Esse grau de rápida reorganização mostra uma forte resiliência, não?

Eu me automotivo e motivo pessoas. Esse é o meu maior talento. Não é ser atriz, não é ser autora. O meu maior talento mesmo é não deixar a peteca cair. A minha capacidade de resiliência é assustadora. Até eu me assusto.  Às vezes penso comigo mesma: “Suzana, era para você estar na lona...” E ainda lidando com um problema de saúde. Mas eu tenho isso. É natural, não faço esforço. Uso para mim, para o instituto, uso este talento para os outros. Fico buscando maneiras de fazer isso de uma forma bem cartesiana, que dê certo, que encontre resultados. Primeiro eu faço comigo. Eu vou lá embaixo, mas volto. Entendo a vida assim. Em maio, entendi que essa história ia ser longa. Não tem vacina. Esse vírus mata. Vamos lidar com a real? O que me ajuda a voltar para o prumo é lidar que a realidade mesmo. Gosto de fazer análises reais. No cenário sonho, o cinema volta e vai ser um barato. Vai ser bacana e as pessoas não terão medo de ir ao cinema. No cenário real, nem eu vou ao cinema. Alguém pode me perguntar: “Suzana, quer fazer uma turnê de drive-in com a sua peça?” Eu digo que não quero... Não quero passar esse terror. Prefiro focar minha energia em outra coisa. Não é hora agora. Faço escolhas radicais. Não é assim tão fácil. Às vezes parece fácil. A real é que eu vou ter que tirar pessoas de casa. Ah... mas eles vão ficar sem ganhar? Eles querem ganhar uma diária ou permanecer com saúde? Eu não quero me expor nem expor a minha equipe. Prefiro trabalhar com a minha equipe de conteúdo. Vamos apostar no que está rolando. Tenho colegas fazendo trabalhos externos, mas eu realmente não fiquei confortável. Fiz minha peça De Perto Ela Não É Normal on line, de casa. Fiz lives de teatro patrocinadas. Foram três teatros. Eles pagavam para fazer uma hora de conteúdo. O pessoal se divertiu muito. Isso foi ok para mim. Até porque eu não poderia me arriscar a fazer uma turnê de drive-in para poder estar com meus pais. 

A opção pelas lives foi a escolha mais acertada?

Minha escolha é o que dá para fazer. Criar conteúdo. O que dá para fazer é todo um trabalho on line. O Instituto Dona de Si opera on line 100%. E o projeto carro chefe que a gente tem é a formação empreendedora, minha equipe funciona toda pela internet e, durante a pandemia, o instituto não morreu. A primeira coisa foi o desaparecimento de patrocínio. Hoje o instituto é sustentável. Mas aí entra a resiliência. Deus me deu essa característica. Sempre penso assim: “Qual é a maneira que eu não morro? Porque, venha o que vier, eu não vou morrer”. Para ir para o digital eu tive que fazer um investimento. Mantive minha equipe. Hoje a gente já empata. Criamos um modelo para o Instituto Dona de Si de pagamento de 39,90 por mês. Esse é o nosso programa para ser uma acelerada. Quem não puder pagar, entra em um outro modelo. E temos as mulheres investidoras. O modelo é na linha: quero investir em 10, 20 mulheres. A ideia é que a sororidade aconteça e faça girar. E também para mantermos uma estrutura de contadora, advogada. Foi o jeito que encontramos de não deixar o projeto morrer no momento que as pessoas mais estão precisando. 

Como tem sido a experiência digital de produção para você?

Tem sido ótima. Quem não entendeu ainda que o digital veio para ficar, não entendeu nada. E precisa entender rápido. Acho até que o cinema, como parque exibidor, como sala de cinema, já estava se questionando e perdendo público para o streaming. Isso agora é uma situação real. As salas de cinema não vão acabar, mas elas vão ser um luxo, uma experiência. Não vejo como você perder lançando um filme no streaming. Vamos alcançar muita gente, vamos promover nossos conteúdos, vamos trazer entretenimento. Tenho muita certeza disso: as distribuidoras vão precisar criar seus próprios aplicativos. Teria que haver uma maneira de fazer o seu novo modelo de negócio. E eu acho que isso precisa ser pensado. Ou então elas fazem os filmes e vendem para os players. Agora a distribuição mudou. O cinema continuará existindo, mas na retomada pós-covid19, o cinema com certeza será um artigo de luxo. Até pelo preço. Hoje, quando a gente liga a tela e entra no streaming, a gente acessa o mundo na nossa casa. Temos o mundo aos nossos pés. 

A reabertura das salas de cinema já começou nos Estados Unidos, assim como na Europa, mas o temor do público prossegue. Como será?

Eu digo por mim: eu, Suzana, só vou pisar no cinema depois da vacina. Só consigo imaginar fazer um filme e lançá-lo no streaming. Tem um monte... Globoplay, Netflix, tem Amazon, a Disney está chegando. Os próprios distribuidores podem lançar seus aplicativos. Tem Muita coisa para ser feita. Eu já estou fazendo. De Perto Ela não É Normal, claro, é um projeto que envolve Escarlate e H2O e a decisão não é minha. Eu acho que essa restrição das salas levará mais tempo. Depois, possivelmente, iremos para um outro momento. Talvez quando tivermos vacina... o preço caiu... o país saiu da recessão. São fases. A fase agora é: quanto mais ficarmos em casa agora, melhor será para a saúde. Então vamos levar os filmes para as casas das pessoas? Acho que temos que nos ligar nisso como classe. Porque, do contrário, viramos uma classe que só reclama. Temos que encontrar um novo modelo de negócio. Como vai ser cobrado? Quais serão os novos valores? Teremos uma nova maneira de negociar. 

E, pensando as produções, como filmar? Como vai ser até a vacina chegar?

Não sei se eu tenho essa resposta. Vamos tatear. Este filme que escrevi agora não tem cena de aglomeração. Pensei nisso junto com a Clélia. Chegamos à conclusão que faríamos assim, porque queremos filmar logo. É um filme que a história não perdeu. Tivemos que ser mais criativas para não ter aglomeração no set. É um filme que a gente junta 10 atores. Teremos que colocar todos em um hotel para não ter aglomeração. Teremos que testar todo mundo. É como se estivéssemos indo para uma locação fora. É como se estivéssemos fazendo uma gravação com um elenco reduzido. As pessoas não vão poder sair e voltar para sua casa. É um estúdio só. É uma locação só. Tem uma logística nisso, mas que dá para fazer. Ouvi dizer que tem alguns produtores querendo filmar no Uruguai, que está menos contaminado. Só que aí, começa ter o problema do seguro, que fica alto de mais. O custo de uma maneira geral aumenta. Mesmo que você pense em filmar em Portugal, isso encarece. Tem muita gente fazendo conteúdo na própria casa, a própria Fernanda Montenegro está fazendo. Ela está fazendo uma série (“Amor e Sorte”, série da Globo que mostra histórias em tempos de pandemia). Ela foi para o sítio dela com a Fernandinha, os netos, Andrucha. Levou um diretor de fotografia e uma diretora de arte. Está todo mundo lá, testado. E fizeram uma série. O Adnet faz da casa dele. Está todo mundo fazendo. A Clélia Bessa também acabou de produzir um filme remoto.

Você acha que é preciso assumir em cena essa época?

Isso impacta numa coisa muito interessante: o jogo e a parceria entre autor e produtor. O autor, nesse caso, está com um desafio imenso na mão. Faz o autor repensar suas soluções dramatúrgicas para poder atender aquele produtor que quer filmar... Acho que agora não dá mais para pré-existir um mercado em que a gente não jogue muito junto. Se a gente não jogar junto não vai funcionar. A não ser que você faça dessa forma. Eu vejo muito mais filmes não muito mirabolantes. Vejo filmes que focam mais em relacionamentos. Uma outra dramaturgia também vem surgindo disso, porque a gente também está dentro disso, dentro das nossas casas, dentro de relacionamentos interpessoais. São as coisas mais importantes hoje. Está todo mundo socado junto. Os filmes vão refletir isso. O cinema e o audiovisual devem refletir esse momento. Porque trabalhamos para refletir momentos. 

Com ou sem máscaras, que elementos você imagina que refletirão esse momento?

O elemento principal é a visão mais apurada das relações. É o que faz a dramaturgia. As sutilezas dos relacionamentos e das histórias. Os próprios autores brasileiros, roteiristas, estão vivendo o que a gente está vivendo. E a gente não vive só a pandemia do coronavírus. A gente  vive uma série de pandemias.  Há a pandemia de quererem acabar com o próprio audiovisual. Há a pandemia das roubalheiras. Há a pandemia de gente que surta com o poder. Tudo isso vemos potencializado no Brasil. Para um autor, isso é muita fonte de inspiração. Pode ser a história que for, mas estamos com esse drive. Precisamos falar dos abusos, há uma relação de poder com o povo muito abusiva. Que histórias a gente vai contar agora?  Isso está no coração. Estamos sentindo isso. Então, tem um lado de crescimento imenso, de amadurecimento do setor. Mas temos saída. Temos os streamings, temos os players. Não podemos mais fazer filme com dinheiro público? Beleza, então a gente vai fazer com outro dinheiro. A saída existe. A saída para essa crise é o talento de cada um. Temos os produtores mais antigos do cinema, são pessoas que sobreviveram a todas as pancadas possíveis, gente que eu respeito muito. Imagine o que foi sobreviver ao Collor? E hoje eles continuam produzindo...  estou trabalhando com a Clélia Bessa e vejo isso. Ela é um ícone no cinema. Ela passou por tudo. Eu tiro meu chapéu. E aprendo muito. Os novos produtores vão vir com sangue novo, respaldados pela galera que não deixou o cinema morrer. Temos um bom encontro aí.

Suzana Pires
Suzana Pires

Suzana Pires é atriz, roteirista e escritora. Estreou na televisão com a série Confissões de Adolescente (Globo, 1993). Atuou em novelas como Fina Estampa (no ar novamente na Globo), Caras & Bocas, Sol Nascente, esta última também como autora, além de Flor do Caribe e Os Caras de Pau. Autora da peça De Perto Ela Não É Normal, é parceira da Escarlate no filme De Perto Ela Não É Normal, que teve a estreia em 2 de abril adiada pela pandemia. Também comanda o Instituto Dona de Si, que apoia 500 mulheres microempreendedoras, e dirige a produtora Dona de Si Conteúdos Conscientes. Segue como atriz contratada da TV Globo.

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