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Artigo / Cinema

25 Agosto 2020

O Cinema não morreu. Viva o Cinema!

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Eu me lembro da primeira vez que fui ao cinema. Provavelmente eu já tinha ido antes, mas eu me lembro da primeira vez que aquilo me impactou. Fui ver com meu pai “As Minas do Rei Salomão”, eu tinha 4 anos, foi no Paulistano, pertinho de casa, me lembro que minha mãe cortou um pedaço de chocolate ao leite da Lacta embrulhou num papel alumínio para eu levar de lanchinho. Por que eu estou falando sobre isto? Porque cinema é experiencia, é comunhão. Eu consigo me lembrar do grito na sala do Playarte Shopping Pátio Paulista quando o corpo inerte na cama se mexeu em “Sete Pecados Capitais”, do publico chorando (eu inclusive) na sala do Shopping Higienópolis quando o Hans Solo morre, do meu enjoo e falta de ar na cena de estupro da Monica Bertolucci em “Irreversível” e eu tentando abrir as pesadas e lindas portas do Cine Arte para sair daquele pesadelo.

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A pandemia acelerou mudanças já dadas, era apenas uma questão de tempo. Netflix, Disney, AT&T, Universal...para os liberais um interessante movimento da “mão invisível do mercado” que vai regulando o mercado e criando as melhores oportunidades para os consumidores, transformando negócios, para os que acreditam que o Estado deve ter um papel regulatório na economia, ele precisará intervir para evitar monopólios e a quebra de negócios exibidores e uma consequente perda de empregos advindo dos complexos. Agora regulando, cabe ao Estado regular (ou manter a regulação) em outros pontos, como cota de tela, pois não é possível dois pesos e duas medidas.

Quando o vídeo cassete foi criado decretaram a morte do cinema, ele continua aí. Claro, com muitas mudanças, muitos cinemas viraram templos religiosos em cidades de interior, os cinemas enormes e majestosos da época dos meus pais não existem mais. O Paulistano do inicio do texto já não mais existe e eu chorei quando ele e o Gemini fecharam, foram os cinemas da minha infância e de uma parte da minha adolescência. É triste para o publico, é terrível para quem tem um negócio.

Muita acertada a decisão da Ancine em disponibilizar uma linha de crédito para os pequenos exibidores e principalmente a rapidez desde a notícia e os cinemas contemplados. Neste momento difícil o Estado precisa usar sua força para auxiliar os empresários a manterem empregos. O ruim é o principal mercado ser o país com maior número de mortes por Covid-19 no mundo, o que atravanca tudo. A política macro (a escolha dos governantes) impacta no micro, se isto nunca havia ficado claro, agora está desenhado. Estão todos on hold, inclusive quem abriu as portas no velho continente ou na Ásia esperando as majors para voltarem aos seus lucros.

Não sei como o negócio será daqui para frente, quando o publico voltará com a total confiança (ao julgar pelo número de pessoas em bares, restaurantes e shoppings, os números parecem altos), mas com certeza todos nós ansiamos por voltar às experiencias nas salas escuras (eu sou tão nostálgica que confesso que sinto falta do barulho dos projetores de  35 e o granulado na tela). Embora seja muito confortável assistir um filme de pijama embaixo de edredom, eu e todos sentem falta de ter memórias para guardar e compartilhar. O Cinema não morrerá. O homem é social e a comunhão mesmo que no silencio de cada cadeira no escuro é muito potente para ser abandonada de vez, temos mais de 100 anos de história para provar isto.

Malu Andrade
Malu Andrade

Malu Andrade é fundadore da rede Mulheres do Audiovisual BRASIL, membre do + Mulheres, Diretore da Coração da Selva e foi Diretore de Desenvolvimento Econômico e Políticas Audiovisual da Spcine.

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