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Artigo / Distribuição

21 Agosto 2020

Chá da tarde com a Paramount

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Quando tenho a oportunidade de visitar meus pais, agora com mais de 70 anos, um assunto que normalmente aparece é sobre a vida deles durante a infância. É quase certo que durante a conversa tranquila do chá da tarde, um dos dois irá dizer que o tempo passou num piscar de olhos. Acredito que as redes de cinema mais antigas aqui dos Estados Unidos também diriam que os 70 anos da ‘Paramount Decree’ passaram num piscar de olhos ou, em termos cinematográficos, o tempo de 8 quadros de um filme.

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Promulgada numa época em que o parque exibidor americano era bem menor e sem tantas opções de entretenimento, os grandes estúdios se tornaram réus por práticas consideradas desleais de mercado. E grande parte por culpa de uma gripe. Após a gripe espanhola de 1918, inúmeros pequenos exibidores pelo país venderam seus cinemas para os ‘Big Five’ (Paramount, MGM, Warner, Fox e RKO) levando a uma concentração e verticalização dessas empresas ao controlar a produção, distribuição e exibição dos filmes.

Em 1948, a suprema corte dos Estados Unidos determinou que essas cinco empresas se desfizessem de seus cinemas. Como a Paramount era o maior estúdio e foi o primeiro caso a ser julgado, o nome pegou. ‘Paramount Decree’. Todos os ‘Big Five’ tiveram que seguir a determinação. Além desses, Universal, Columbia e United Artists também foram citados no processo. Algum nome em particular faltando, mi Capitan? O decreto, na verdade, não “proibiu” esses oito estúdios de terem cinemas, mas, caso quisessem, precisariam agora de uma aprovação do governo. Ou seja, nada feito. Sem seus próprios circuitos para garantir a programação de seus lançamentos, os estúdios inauguraram a era das grandes produções e dos Blockbusters.

Um dos pontos principais do decreto foi considerar ilegais algumas práticas na distribuição de filmes da época, incluindo Block Booking (o exibidor é obrigado a programar os filmes menores para ter o Blockbuster), programação por circuito (uma negociação obrigando todos os cinemas da rede a exibirem), fixação de preço (definir um preço mínimo do ingresso do filme) e ampla exclusividade (apenas em uma rede em determinadas áreas geográficas). Não trabalhei no mercado antes dos anos 50, mas me parecem conceitos um tanto quanto familiares.

A revogação não é uma surpresa, já que desde 2018 o Departamento de Justiça americano vem revendo decretos considerados obsoletos. E, após 70 anos em vigência, eles concluíram que o ‘Paramount Decree’ não é mais necessário em uma economia com cinemas multiplexes, broadcast, TV a cabo, HE e a internet transformando a maneira como as pessoas consomem conteúdo audiovisual. A juíza federal, Analisa Torres, definiu três pontos chaves para considerar o decreto obsoleto: (1) a distribuição de filmes mudou drasticamente desde os anos 40; (2) é improvável que as mesmas empresas readquiram o mesmo tipo de controle e (3) a mudança das leis antitruste que flexibilizaram negócios verticalizados. Fixar preços e repartição do mercado continua sendo ilegal, mas outros acordos horizontais entre competidores ou acordos verticais entre parceiros são mais comuns hoje em dia.

Não creio que os estúdios irão comprar redes de cinemas nos Estados Unidos nesse momento, sendo que o foco e investimentos estão sendo direcionados para o lançamento de plataformas streaming e PVOD, enquanto também se adaptam ao novo mercado de HE e broadcast. Se alguma delas decidir investir em uma rede de cinemas, terão maior controle sobre integração das mídias onde seus filmes são exibidos, além do potencial de merchandise no ponto de venda. Quem sabe haverá diversos El Capitan (cinema da Disney) espalhando pelos Estados Unidos?  Ou empresas de tecnologia (atualmente sob olhares das leis antitrustes) investindo em cinema num processo de verticalização total? Caso o decreto volte um dia, talvez se chame ‘Amazon Decree’.  Uma coisa é certa, assim como os grandes magnatas de tecnologia atuais ou os estúdios dos anos 40, acho que executivos usarão das mesmas práticas pré-decreto, se a lei permitir. Mesmo antes da decisão de revogar o decreto, diversos acordos pontuais de exclusividade já vinham sendo realizados com alguns exibidores daqui. Não posso também deixar de considerar que o acordo entre AMC e Universal levou em conta essa nova realidade, já que ninguém foi pego de surpresa.

O que vamos ver nesses próximos dois anos de transição - antes do vale-tudo - é a transformação nos Estados Unidos de como negociar os filmes, e nitidamente o poder maior na mão de quem cria o conteúdo. Afinal, como diz Bill Gates e os meus pais durante o chá da tarde, CONTENT IS KING.

Ricardo Bollier
Ricardo Bollier

Profissional com mais de 15 anos de experiência na indústria do entretenimento, tendo passado por empresas globais como Fox Film, Warner Bros, Dolby e D-BOX. Atua nos mercados da América Latina e Estados Unidos, juntando conteúdo, experiências e tecnologia.

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