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Artigo / Legislação

14 Agosto 2020

Uma reforma tributária no meio de uma pandemia

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No último dia 21 de julho, ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou ao Congresso Nacional o texto do governo federal da primeira parte da reforma do sistema tributário. A proposta entregue institui a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), tributo que substituiria o PIS/Pasep e a Cofins. O texto será incorporado a outras duas iniciativas já em tramitação nas Casas legislativas, a PEC 45/2019 da Câmara Federal e a PEC 110/2010 do Senado. A CBS teria uma alíquota única de 12% e terá como base de cálculo a receita bruta das empresas.  Segundo o Governo Federal, essa é a primeira parte da contribuição do governo para a reforma tributária, e que deverão ser remetidos ao Congresso novas propostas tratando de outros tributos.

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As propostas já em trâmite no Congresso propõem a unificação dos tributos estaduais e municipais, tais como o ICMS e o ISS.

O setor de entretenimento, da produção, passando pela distribuição e indo até a exibição e o streaming de vídeo é essencialmente tributado como serviços pelo ISS. Apenas a televisão por assinatura é tributada pelo ICMS, tributação que já requer ser revisada desde muito tempo, pois televisão não é telefonia. O que preocupa as atividades de serviços é o risco da elevação dos custos pelo aumento da contribuição que substituiria o PIS/Pasep e a Cofins, associado ao fato de que a unificação do ICMS (que chega a ter alíquotas de até 25%) com o ISS (que tem alíquotas entre 2 e 5%), certamente provocaria um oneração do setor de serviços em contrapartida à uma desoneração dos setores de comércio, telecomunicações e indústria. Tudo isso se concluindo pela média simples dessas alíquotas. Não há clareza de como o setor de serviços poderia ser compensado nesse novo cenário.

De outro lado, o travamento do CBS em 12% já seria um aumento de custo direto sobre os serviços, apesar de o novo sistema proposto permitir que o comprador tome créditos sobre o valor pago pelo prestador. As atuais alíquotas combinadas de PIS e Cofins normalmente são de 3,65% e 9,25%, respectivamente sob suas sistemáticas cumulativa e não-cumulativa.

Surge ainda a hipótese do tal imposto digital, que traz a falsa impressão de que se estaria falando da tributação que se discute no âmbito global. O imposto digital, assunto muito debatido no âmbito da OCDE diz respeito a outro tema, que é a capacidade que o ambiente digital permite de fazer uma potencial uma erosão de arrecadação de impostos em determinados países.  A OCDE espera atingir um consenso até o final de 2020 sobre essa questão, que tem mais a ver com a transnacionalidade das grandes empresas de tecnologia, com Google, Amazon, Facebook entre outras, que teriam a alegada capacidade de pagar menos tributos nos países onde geram suas receitas e tem seus usuários, do que no local de suas sedes. Nesse particular, se diz que chamar de  “imposto digital” a proposta do Governo Federal, seria uma forma de disfarçar, dando ares de atualidade, a recriação da antiga CPMF. O tributo sobre transações eletrônicas financeiras, ainda que em micro transações ou pequenas alíquotas, não seria exatamente o imposto digital que a OCDE está discutindo relativo às operações internacionais das empresas de tecnologia.

O setor de entretenimento já afetado particularmente em alguns pilares, como a produção, distribuição e exibição, precisa ficar muito alerta para a velocidade que a reforma tributária pode tomar, devido ao impacto fiscal causado pela pandemia da COVID19.

Os efeitos da pandemia ainda não puderam ser contabilizados pelos agentes do mercado mundial e brasileiro do entretenimento e indústria criativa. Administrar simultaneamente os impactos de uma reforma tributária, ainda não conhecida na íntegra, pode ser um desafio maior do que seria possível empresarialmente e até humanamente, para os empreendedores e executivos da área da cultura, entretenimento, comunicação e mídia.

Diz-se que o setor de serviços representaria 70% do Produto Interno Bruto (PIB) e emprega 50 milhões de pessoas. O impacto efetivo atual dos Pis/Pasep e da Cofins nos prestadores de serviços é bem inferior aos 12% presentes na proposta. No meio dessa crise resultante da COVID19 é bem improvável que as empresas de serviços consigam encontrar elasticidade de preços nos seus clientes tomadores de serviços. Se isso vale para escolas e hospitais, certamente mais grave ainda para cinemas, produtoras de conteúdo e distribuidoras, pois não são serviços essenciais e estão impactados pelo isolamento social. Na retomada para um “novo normal” tudo que não conseguirão fazer é repassar novos custos. E, se o impacto for além do aumento para 12% da contribuição social, com a implementação de uma espécie de IVA onde produtos terão redução do ICMS compensado pelo aumento da alíquota do que se pagava de ISS, certamente pode se estar de frente a uma tempestade perfeita, com graves riscos sistêmicos se não houver uma adequada compensação, ainda que se faça uma transição progressiva de um regime para o outro.

O Governo ressalta que a mudança das contribuições sociais para 12%, nessa primeira fase, exclui os contribuintes do simples nacional, que corresponde a dois milhões de pessoas jurídicas, que teriam o regime mantido. No fundo, o que visa indiretamente essa proposta é aumentar a tributação federal das empresas prestadoras de serviços que estão acima do simples nacional e abaixo do teto de faturamento que as obriga ao faturamento pelo lucro real, ou seja, aquelas que se tributam pelo sistema do lucro presumido, tudo isso sem promover a desoneração da folha de pagamento, que é um dos grandes “custos Brasil”, que afeta a geração de empregos. Mesmo aquelas empresas tributadas no lucro real, o aumento da contribuição deverá causar impactos relevantes.

Em conclusão, o setor de entretenimento deve ficar alerta e participativo à tramitação dessas reformas tributárias que podem modificar profundamente a viabilidade dos modelos econômico financeiros de como os negócios estavam estruturas, antes da pandemia e, de forma mais grave, com o que surgirá desses negócios no pós-pandemia.

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli
Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli | marcos.bitelli@bitelli.com.br

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli Doutor e Mestre em Direito pela PUC-SP Especialista em Direito do Entretenimento, Audiovisual, Propriedade Intelectual, Comunicações e Telecomunicações Sócio de Bitelli Advogados

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