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Artigo / Audiovisual

11 Agosto 2020

O cinema e as matemáticas

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Não faz muito tempo que paramos de utilizar a película como meio de distribuição. Um formato que serviu bem durante 120 anos, a mais longa vida de todos os formatos da nossa história e ainda imbatível como a forma mais eficiente de arquivo. Mas finalmente cedeu seu lugar para a tecnologia digital. Mudança inevitável com o avanço da tecnologia.   Uma geração atrás, “digital” era uma palavra novidade, mágica e misteriosa, mas hoje passou a ser tão presente, óbvia e prosaica que raras vezes a usamos. Neste mundo tudo virou digital, tudo se implementa com este recurso, desde o controle do fogão até o mundo das comunicações, a fotografia, o áudio, o cinema. Mas por quê? Qual é a graça? E de onde vem o nome? Me parece interessante responder a estas perguntas começando pela última.

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Acontece que desde crianças começamos a contar usando os dedos, que estão, com trocadilho, à mão. A palavra dedo vem do Latim “digitus”, que em português se tornou “digito”. Ou seja, número. E a primeira operação das matemáticas é contar. E a primeira utilidade de contar é descrever alguma quantidade, sejam uvas, ovelhas pulando o muro, pixels ou ciclos por segundo. Mas é possível fazer muitas outras coisas com os números, como as operações elementares, ou registrar e guardar, como bem sabe o financeiro. Mas com o tempo descobrimos que também podemos fazer outras operações com números, entre elas ser organizados para descrever coisas. Um exemplo particular que nos interessa são as imagens e os sons. Para fazer isto, é preciso primeiro representar por números ou “quantificar” as caraterísticas e as grandezas daquilo que estamos descrevendo. Agora temos um bom motivo para chamarmos este processo de digitalização. No caso da imagem, ela é decomposta em pequenas partes ordenadas como em um tabuleiro de xadrez com muitas células, aqui chamadas de pixels, e o brilho de cada um é convertido em um número proporcional à sua intensidade. No final do processo teremos uma coleção de números cuja ordem e significado está prescrita, como numa tabela. Esses números podem ser convertidos em impulsos elétricos e enviá-los à distância por um fio, e assim podemos transmitir a informação da imagem. Naturalmente, quem recebe no outro extremo do fio e quer reconstruir a imagem, deve conhecer a ordem e significado deles, ou seja, deve saber como está organizada essa tabela, a ordem em que esses números foram colocados. Essa coleção também pode ser armazenada em um arquivo utilizando algum sistema de registro, como um hard disk. Isso também vale para o som, onde os números têm a sua forma particular de ser organizados. 

Mas por que tomar semelhante trabalho complicado, quando poderíamos simplesmente enviar ou gravar essa informação em um formato analógico, direto e proporcional como fazíamos nos velhos tempos? No final, sons e imagens ao vivo são fenômenos contínuos, e nossos ouvidos e olhos continuam analógicos, não tem nada de números ali.

Os motivos são vários. Um deles é a precisão que é possível conseguir, a fidelidade com que podemos transmitir e estocar a informação, que no mundo analógico é limitada. Dessa maneira a imagem e o som no cinema podem alcançar altíssima definição, se utilizarmos um número suficiente de dígitos. Outra é a eficiência com que podemos trafegar a informação aproveitando ao máximo os meios disponíveis, seja um canal de cabo, um canal de televisão aberta, ou uma conexão para um hard disk no servidor de um cinema. 

Mas existe outro motivo, e este é bem poderoso: porque com números ganhamos a possibilidade fundamental de usar as matemáticas e fazer coisas que seriam impossíveis ou muito difíceis de fazer no mundo analógico. Podemos, por exemplo, operar matematicamente os números em forma engenhosa e sofisticada, seguindo uma receita chamada aqui de algoritmo, criptografando o conteúdo na origem e fazer o processo inverso só no momento de utilizar a informação, para proteger esse conteúdo em segurança durante o transporte. Ou, com outros algoritmos, podemos operar sobre as enormes coleções de números que contém as sucessivas imagens contidas no DCP de um filme, para reduzir o tamanho dos arquivos sem afetar o conteúdo em forma perceptível.  Estes algoritmos eliminam redundâncias e utilizam truques matemáticos que aproveitam a forma em que opera a nossa percepção, reduzindo de diferentes maneiras a enorme quantidade de informação a transmitir ou estocar. Isto é conhecido como compressão da imagem, dos quais o JPEG 2000 que utiliza o padrão DCI é um exemplo.  Este processo é essencial para fazer possível esse padrão com as tecnologias atuais.

Fazemos isso tudo com computadores. Os servidores que rodam o conteúdo nos cinemas são computadores especializados. Mas não deixam de ser computadores e receberam esse nome porque justamente computam números, fazem cálculos. Foram construídos para resolver as operações que nos indicam as matemáticas para fazer possíveis estes processos. Mas justamente, todos os computadores só existem porque existem as matemáticas. Raramente percebemos que elas estão nas bases, no substrato que faz possível o mundo tecnológico atual.

Carlos Klachquin
Carlos Klachquin | CBK@dolby.com

Carlos Klachquin é gerente da DBM Cinema Ltda, empresa de serviços, projetos e consultoria na área de produção e exibição cinematográfica. Formado como engenheiro eletrônico fornece suporte de engenharia em tecnologias de áudio, entre outras empresas, para Dolby Laboratories Inc, sendo responsável também pela administração de operações vinculadas à produção Dolby de cinema e ao licenciamento das mesmas na América Latina. Desde 2013, trabalha na implementação do programa Dolby Atmos na América Latina, incluindo a supervisão da instalação e a regulagem dos sistemas em cinemas e estúdios e da produção de som Atmos no Brasil.

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