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Artigo / Audiovisual

07 Agosto 2020

Demanda imaginária e inovação de valor

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Muito a grosso modo, todos nós sabemos a fórmula do Sucesso em cinema e tv:  basta ter uma história bem contada que acerte em cheio em uma demanda imaginária. Ou seja, um filme otimamente realizado que dialogue com o Espírito de nosso tempo tem ótimas chances de ser um sucesso.

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O difícil, é claro, é conciliar as duas coisas.  Para uma história ficar bem contada, temos que conciliar os esforços de toda equipe: roteiro, atores, direção, etc... Mais do que somar esforços, como sabemos, o que precisa e rolar uma “química”, que faça surgir uma obra que conquiste o público. Não é fácil.  Por isso quando alguma equipe criativa consegue isso, eles costumam ser super prestigiados na indústria.

Mas o fato é que não basta o elenco e a direção. A base, como sabemos, é uma boa história.  Isso exige uma série de técnicas de roteiro. Nos últimos anos começamos a perceber a importância de respeitar as técnicas de criação de histórias e começamos a falar da importância do roteirista. Ótimo. 

No entanto, para criar uma história de sucesso, a técnica também não basta. Há muitas obras ótimas tecnicamente (com bom roteiro, bem dirigidas, elenco ótimo) que simplesmente não caem no gosto público. Elas simplesmente não colam. Está tudo lá, mas o público não assiste.  Faltou algo. O que? Em geral faltou a conexão a demanda imaginária do público daquela época.

Por isso, o grande roteirista não poder ser apenas um técnico que conta bem uma história: ele tem que ser um Autor. Um autor é um técnico, claro. Mas é mais.  Um autor consegue “captar” a demanda imaginária da sociedade, captar “qual história” o povo quer ouvir hoje!  O bom autor é, como já dissemos aqui, um criador de mitos, de histórias que preenchem uma demanda imaginária do público. Por isso, o autor é importante: ele ouve o público e capta as sutilezas das tendências, cria personagens que são arquetípicos da alma nacional e geram identificação no público.

O autor não pode ficar sozinho nisso.  Ele precisa também do produtor, outro profissional que deve entender que não basta gerir bem os recursos para ser um produtor de sucesso. Precisamos cada vez mais de produtores criativos, os “Gênios do Sistema” (na feliz expressão de um dos melhores livros sobre audiovisual que já li, do Schatz) que estejam sempre antenados com as tendências de consumo. Também os financiadores, sejam plataformas, canais ou distribuidoras têm que estar antenados com isso.

Mas é possível prever a demanda imaginária?

Não é fácil.  Eu, como autor-roteirista, faço como todo bom produtor: fico atento as ondas do mundo. Todos nós somos caçadores de tendências. Mas não basta ficar tentando copiar o que já faz sucesso. Isso só gera competição no mesmo target.

Há muitos sucessos que surgem ao conseguir captar o que ainda não existe e o público quer ver. Eles antecipam tendências, eles lançam gêneros novos ou franquias que duram décadas. Esse é o maior acerto.

Eu sei que é muito difícil prever a tendência, qual é o espírito do Tempo, qual é a demanda imaginária.  Mas acho que temos que conversar mais sobre isso.

Um exemplo: qual histórias o público de hoje quer ver?

Quais serão os grandes sucessos dos próximos anos? Quais gêneros vão bombar? Quais tipos de protagonistas? 

Nos últimos 20 anos, vivemos um audiovisual que ficou refém de um modelo de financiamento que separava demais o “filme de mercado” do “filme de autor”. Orientados por políticas públicas que nós mesmos criamos nós fazíamos dois tipos de filmes: fazíamos filmes de autor sem pensar no público. E filmes de mercado que não buscavam inovar.  Nossas comédias trabalharam na ótima tradição popular de criar junto com os grandes humoristas, tal como sempre fizemos na história do cinema brasileiro.

Mas hoje, o mercado cresceu e está no privado. As plataformas de streaming são grandes mestres na pesquisa de tendências. Nunca antes o mercado teve tantos dados para saber o que o público quer consumir. E isso é ótimo.  Cada vez mais os executivos têm condições de antecipar as tendências. Analisar esses dados e o que temos que começar e o que fará as obras de sucesso. Quando fui secretário do audiovisual do Minc, há mais de 10 anos atrás, tive a ideia de criar a CIA totalmente brasileira.  Uma Central de Inteligência Audiovisual, para alimentar o mercado de dados de tendências.  Mas era uma ideia muito inovadora para a época. Ainda vivíamos na crença de que o criador e totalmente livre e que não deveria nunca ser discutido qual filme deve ser feito. O resultado foi uma grande quantidade de filmes que não tem nenhuma pretensão de dialogar com o público. E outra leva que não tem pretensão de inovar.  E essa falsa dicotomia que devemos quebrar. 

Afinal, não é tão fácil conseguir sucesso.  Se um gênero faz sucesso é comum que os produtores tentem repetir esse sucesso. Foi o que aconteceu com a comédia popular que nos últimos anos se firmou com um dos poucos gêneros que conseguiu emplacar sucessos em série no cinema brasileiro. Isso é ótimo.

Mas também se esgota e começamos a ter várias boas comédias populares disputando o mesmo público. Elas variam o humorista protagonista, mas todas se esforçam para fazer o humor de comédia de costumes, uma das possibilidades da comédia, esquecendo várias outras, como paródias, comédias históricas, etc....            

Se quisermos aumentar nosso share e conquistar mais público teremos que atuar em outros gêneros. Com a chegada do streaming isso será, aliás, uma exigência do próprio mercado. Por isso, temos que entender que mesmo para conquistar o público, temos que aprender a inovar. Não é a inovação apenas experimentalista, não é o filme de autor que ninguém vê. E o filme comercial inovador, e o que os alguns autores de marketing chamam de Inovação de Valor. A inovação de valor e a inovação no target, no público alvo. E a inovação que busca criar produtos que conquistem públicos ainda inexplorados. E a estratégia do Oceano Azul, um livro já clássico de marketing, que reflete como você pode sair do Mar Vermelho da Concorrência Sangrenta e Conquistar os vastos oceanos azuis de públicos inexplorados. * (quem quiser saber mais sobre isso recomendo a leitura do livro Choque de Tropicalismo, onde analiso exemplos concretos da Estratégia do Oceano Azul aplicada a audiovisual).

Acredito que descobrir públicos inexplorados é nossa meta.

Se quisermos conquistar mais público temos que começar a debater mais claramente nossas estratégias e a criar obras em gêneros que ainda não fazemos atualmente. As pesquisas de tendências com o público atual são fundamentais e devem orientar a criação. Acredito que a tendência é criar parcerias com institutos de pesquisa para nos inspirar. No Concurso que lancei, o Histórias para Unir o Brasil, temos uma parceria com o Instituto Locomotiva, que nos ampara de dados sobre tendências e valores de nosso público. Isso nos ajudará na seleção das histórias.   Além disso, criar em diálogo com a pesquisa de tendências é muito inspirador. Ao contrário do que alguns autores pensam isso não limita nossa criatividade, isso nos alimenta.

Ou seja, para alcançar sucesso hoje, temos que quebrar inúmeros paradigmas e romper antigas dicotomias. Temos que aprender a inovar pensando no público, a criar em diálogo com tendências, temos que ter produtores que deem poder real para autores, e autores que antes de criar, escutem. Escutem muito.

Um rápido spoiler para deixar o gancho em aberto até o próximo artigo: quais demandas imaginárias surgiram esse ano, com a questão da pandemia? E para esse tipo ide reflexão que convoco os leitores da “Exibidor” a fazer junto. Temos que aproveitar esse momento reflexivo para pensarmos nossas estratégias de marketing e criarmos obras em diálogo com a demanda imaginária do mundo hoje.

Newton Cannito
Newton Cannito

Newton Cannito é autor roteirista de séries como Unidade Básica (Universal TV), 9mm (Fox/Netflix), entre outras. Roteirista de filmes como Reza à Lenda e Broder. Foi também Secretário do Audiovisual do Minc e é coordenador do Concurso Histórias para Unir o Brasil. (www.unirobrasil.com.br)

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