06 Agosto 2020
Cinco equívocos sobre a utilização de músicas em obras audiovisuais
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A utilização de músicas em filmes e séries de TV possui critérios e depende de acordos e contratos firmados entre os interessados.
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Essa informação pode parecer óbvia, mas nem sempre é tão clara. Alguns conceitos equivocados acabam se tornando mitos populares e eventualmente podem causar problemas de ordem criativa, legal ou financeira à produção.
Evitar esses erros e entender as práticas aplicáveis fará com que o produtor tenha mais chances de conseguir a trilha sonora que deseja para seu projeto.
Para melhor compreensão deste texto, é importante diferenciar os dois tipos de licenças necessárias para o uso de músicas pré-existentes em audiovisual, que no Brasil também são chamadas de “Licenças de Sincronização”: (i) licença de obra musical, referente aos direitos autorais da composição (melodia e letra), que deve ser obtida junto às editoras musicais ou aos próprios autores quando a obra não for editada; e (ii) licença de fonograma, referente aos direitos da gravação e que deve ser obtida junto à gravadora ou ao proprietário da gravação.
Nem sempre o produtor precisa obter as duas, já que muitas vezes trata-se de uma performance de um ator cantando em cena, ou de uma obra que será regravada. Nesses casos é necessário somente uma licença de obra musical.
Abaixo seguem os cinco equívocos mais comuns quando se trata de utilização de músicas em obras audiovisuais, e um esclarecimento simplificado de cada um deles.
É permitido usar poucos segundos de uma música sem obter autorização
Não importa se a produção é um longa-metragem, curta, série, documentário ou conteúdo para web. Se houver uso de música e for uma produção comercial, é necessário obter autorização dos titulares das obras musicais e/ou fonogramas que o produtor pretende usar.
O entendimento de que 6, 10 ou 30 segundos de música são permitidos é um mito e, portanto, não possui nenhuma base legal. As leis de direitos autorais não estabelecem uma duração para que obras musicais e/ou fonogramas possam ser utilizados sem autorização.
A Lei Autoral Brasileira prevê que uma obra intelectual só pode ser utilizada mediante autorização prévia e expressa dos seus titulares e não menciona nada sobre tempo de uso. Portanto, entende-se que qualquer porção de tempo requer autorização.
Outra questão recorrente é sobre a citação de letras de músicas, e se há uma quantidade de versos permitidos.
A resposta é não. Para que o produtor esteja 100% seguro é aconselhável solicitar autorização aos titulares e sempre fornecer detalhes de como a citação será feita, pois a editora provavelmente levará isso em conta na hora de orçar, ou pode até isentar o produtor de uma cobrança.
O compositor de uma obra musical (ou o artista no caso de um fonograma) pode autorizar o produtor diretamente
São comuns casos onde o compositor ou artista tenha autorizado o produtor a usar sua obra (ou fonograma) de forma gratuita, por se tratar de um amigo, ou mesmo por estar pessoalmente interessado naquela oportunidade de sincronização.
Mas um e-mail do compositor ou artista dizendo “Minha obra está liberada para o projeto X” não é necessariamente uma garantia de que a música está autorizada para uso na produção, pois isso nem sempre é permitido.
Primeiramente é importante saber que os direitos de uma mesma obra musical podem pertencer a diversos autores e/ou editoras, e a determinação dos valores e condições de uma licença de sincronização devem ser um consenso entre todos os titulares.
Além disso, as obras musicais muitas vezes estão sob a administração de editoras que tem exclusividade para licenciá-las.
Com os fonogramas ocorre o mesmo. O artista pode ter um contrato de exclusividade e/ou o fonograma pode ter sido produzido por uma gravadora, e somente esta poderá emitir uma licença.
Quanto aos valores das licenças para obras audiovisuais, apesar de haver exceções, tanto para obras como fonogramas a regra é aplicar o princípio Most Favored Nations (ou MFN).
Em outras esferas comerciais Most Favored Nations trata-se de um conceito mais amplo, mas na indústria musical significa que o produtor deve pagar o mesmo valor a todos os co-titulares de uma mesma obra musical.
E no caso de uso de fonogramas, quase sempre a gravadora aplica a mesma regra, ou seja, o produtor terá que arcar com a mesma quantia que será paga por 100% dos direitos da obra musical.
Assim, somente quando o produtor receber por escrito todas as aprovações e licenças dos reais titulares dos direitos, é que a obra e/ou fonograma estarão autorizados para uso na produção.
Toda obra musical ou fonograma que possui mais de 70 anos está em domínio público
A conclusão de que uma obra musical ou um fonograma se encontra em domínio público não é tão simples quanto parece.
No Brasil uma obra cai em domínio público 70 anos contados a partir de 1° de janeiro do ano subseqüente ao falecimento do autor, ou da morte do último autor sobrevivente em caso de co-autoria. No caso dos direitos conexos, relativos aos fonogramas, o prazo é de 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente à sua fixação.
Porém, cada país possui um prazo de proteção legal para obras intelectuais, e a análise muitas vezes pode ser complexa. Em geral, o produtor audiovisual precisa de uma licença para todos os territórios, então dependendo do país de origem da obra que será utilizada, é necessário fazer um estudo detalhado para que o uso na produção não infrinja direitos autorais.
Os Estados Unidos por exemplo conta com um sistema de proteção a direitos autorais bastante peculiar e que foi alterado substancialmente ao longo do século XX. Foi um dos países que mais ampliou a proteção às obras intelectuais ao longo das últimas décadas, de modo que o prazo legal pode chegar a 120 anos. Além disso, a contagem desses prazos depende de outros fatores além da data de falecimento do autor ou de publicação, como por exemplo se houve ou não renovação do registro de copyright. Essa informação normalmente não está disponível online, sendo que muitas vezes, quando se trata de obra musical e/ou fonograma americanos, é necessário fazer uma consulta ao U.S. Copyright Office, que pode levar até 4 meses e possui um custo em dólares.
Obviamente existem casos de compositores clássicos que já faleceram há mais de cento e cinquenta anos como Mozart, Chopin, Schubert, etc, onde a análise é mais simples. Mas de forma geral é importante que o produtor consulte um advogado especializado ou tenha um supervisor musical na produção para que se realize uma pesquisa detalhada e precisa.
É importante salientar que o prazo de 70 anos da legislação brasileira refere-se apenas aos direitos patrimoniais e não se aplica aos direitos morais do autor. Isso significa que após o decurso do prazo de 70 anos, se o autor possuir herdeiros, estes poderão exercer seus direitos morais, como por exemplo de fazer com que o nome do autor ou pseudônimo seja vinculado à obra sempre que for utilizada, ou ainda de assegurar a integridade da obra, opondo-se a modificações ou à prática de atos que possam prejudicá-la ou atingir a honra ou reputação de quem a criou. Assim, mesmo que uma obra já esteja em domínio público, o produtor deve sempre respeitar os direitos morais do autor.
Existe um valor médio para uso de músicas em produções audiovisuais
Não existe uma tabela de preços para sincronização de músicas.
Muitos fatores afetam o custo de uma música, e para obter o valor do licenciamento, o produtor audiovisual deverá fornecer aos titulares dos direitos vários detalhes sobre como pretende utilizar a obra musical ou fonograma.
Em geral as condições da licença são baseadas em alguns fatores, como:
- tipo de produção (trata-se de um filme de estúdio, filme independente, longa-metragem, documentário, curta-metragem, série para TV, série para web?);
- tempo de uso da música;
- quais os direitos requeridos na licença (todas a mídias, somente Internet, apenas festivais de cinema?);
- território e prazo da licença;
- tipo de uso (seria como fundo em uma sequência de imagens, ou uma música diegética tocando no rádio? será usada em créditos de abertura ou encerramento?); e
- orçamento geral do projeto.
Portanto, é recomendável obter orçamentos nos estágios iniciais da produção e não se basear em licenças obtidas para outros projetos, pois os valores sempre serão determinados com base nessas variáveis.
O clearance de músicas pode ser realizado rapidamente na fase de pós-produção
O clearance de uma obra musical ou fonograma pode levar de semanas a meses para ser concluído.
Em geral não é um processo rápido, pois é realizado em etapas e depende de aprovações de terceiros conforme explicado abaixo.
Primeiramente é necessário que o produtor ou o supervisor musical da produção localize os direitos das obras e/ou fonogramas que deseja utilizar. Muitas vezes essa etapa demora tanto quanto a negociação de valores com os titulares dos direitos, pois é muito comum não localizar informações online ou em bancos de dados, ou mesmo encontrar informações desatualizadas, já que muitos catálogos de editoras e gravadoras são frequentemente vendidos e mudam de titulares. Também é possível que uma obra musical não tenha sido editada e que seja necessário contatar o autor diretamente, muitas vezes sem que haja nenhuma pista de como localizá-lo. Esses são somente exemplos do que pode ocorrer nessa primeira etapa.
Com os direitos localizados, o produtor terá que fazer os pedidos e aguardar a aprovação interna da própria editora (ou de uma filial no exterior no caso de obras internacionais) e a aprovação dos autores ou de herdeiros/espólio quando um autor for falecido. O mesmo ocorre com o fonograma, pois na maioria das vezes a gravadora precisa da autorização do artista ou de seu representante quando se trata de sincronização em audiovisual.
Depois disso ocorre a negociação, onde se tenta conciliar o orçamento disponível na produção com o custo orçado pelos titulares, e nem sempre é uma etapa rápida porque também depende das mesmas aprovações. É importante ressaltar que quando se trata de músicas, autores ou artistas muito conhecidos, a atenção de seus empresários ou representantes em relação àquela solicitação está sendo dividida com outras dezenas, senão centenas similares, inclusive para usos maiores ou financeiramente mais vantajosos, o que em suma significa que pode levar mais tempo para ser analisada e aprovada.
Desta forma, é fundamental ter tempo para o processo de clearance. O ideal é que o produtor tenha entre 3 e 6 meses de prazo, sendo aconselhável que haja um planejamento em relação aos licenciamentos desde os primeiros estágios de produção.
Ainda, quando houver músicas no roteiro que serão usadas em cena, os direitos precisam ser licenciados necessariamente antes de ocorrer a filmagem, de forma que o ideal é que o produtor também tenha tempo para todo o processo de clearance.
Por fim, é importante saber que nem todas as músicas são licenciáveis. Negativas por parte de editoras, gravadoras, autores e artistas são muito comuns na verdade. Uma negativa pode ocorrer por razões de ordem pessoal, financeira ou legal, como por exemplo uma obra ou fonograma que esteja em litígio. Assim, é fundamental que o produtor tenha ciência dessa informação o quanto antes para poder fazer a substituição tranquilamente e não afetar o curso da produção.
Patricia Portaro
É advogada e supervisora musical. Formada em Direito e com mestrado em Music Business, atua há quinze anos nos mercados audiovisual e publicitário. Trabalhou em mais de duzentos projetos dentre filmes, séries e comerciais, na América Latina, Estados Unidos e Reino Unido. Atualmente mora em Los Angeles e faz parte do time da empresa Air Lumiere.
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