30 Julho 2020
Mercado de Cinema Online: Novo Normal ou Anormal?
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Depois de muita expectativa e alguma incerteza se realizou agora, de 22 a 26 de junho, o Mercado de Cannes Online. Após alguns adiamentos e indefinições, decidiu-se que era a hora e a vez de acontecer. E, Jérôme Paillard e seu time arriscaram e acertaram em lançar a primeira versão de mercado de cinema, que deve passar a ser a nova e permanente opção no universo do audiovisual para os próximos muitos anos...
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Ao longo de cinco dias, agentes credenciados tiveram acesso a painéis, conferências, filmes e reuniões, usando aplicativos, como: Zoom, Talque, Match&Meet e plataformas, como: Youtube, além do fundamental banco de dados Cinando. Encontros sempre realizados das 9h às 20h, na sua time zone. Horários elásticos, com diversos fusos confusos, que fizeram muitos players acordarem em plena madrugada para acompanharem ao vivo algumas webnares imperdíveis.
Se antes os painéis e as conferências não eram muito populares (afinal, sempre temos que escolher entre ver filmes, fazer reuniões e assistir palestras...), nesta atual edição online eles mostraram números recorde de participantes. O resultado deste aumento pode até ser a curiosidade de ver “como é um mercado online”, mas foram números expressivos de acessos.
Já, para compradores e vendedores, a mudança não foi tão dramática; negociações sempre começam online, com muitos screeners e trocas de e-mails, mas costumavam terminar em encontros presencias para celebrarem os negócios.
Assim que o EFM de Berlim acabou, em meio à fuga dos participantes para seus países antes do mundo real parar, agentes de vendas já começaram a se adaptar e contatar os compradores, fazendo do e-mail sua principal ferramenta. Aliás, quando Cannes chegou, muitas negociações já estavam em andamento.
O balanço desta edição online traz números que chamam muita a atenção. Foram 10 mil participantes, contra os 12.500 que estavam em Cannes ano passado. Não muito distante, mas provavelmente abaixo da expectativa dos organizadores (afinal, o valor da credencial era menos de 1/3 do valor da edição física). E, como comparar as 12 mil sessões (incluindo eventos e filmes) que tiveram 42 mil espectadores com 4 mil sessões em 33 locais em 2019?
Aqui reside uma outra vantagem do mercado online, os credenciados tem até setembro para conferir todo o material produzido pelo meeting, fundamental, já que o excesso de informação não permitia acompanhar tudo, ao mesmo tempo agora. E, isso quer dizer que em outubro teremos um novo balanço dos números do Marché.
Do Brasil, foram quase 100 credenciados, contando com produtores, distribuidores e festivais. Não muito distante da quantidade de brasileiros que costumam ir para Cannes todo ano (para o Festival e para o Mercado). Mas, a diferença é que teve participante que pôde estar no Marché du Film pela primeira vez.
Paillard declarou que vai incorporar no futuro mais elementos virtuais, e agora sua expectativa é com o Ventana Sur, o mercado que realiza em parceria com o INCAA da Argentina, e que ocorre de 30/11 a 4/12. Se físico ou online, teremos que aguardar a primavera de setembro...
Tudo isso serve para entender que, gostando ou não, o mercado online não é apenas uma ideia futurista, mas sim uma ação presente, uma ferramenta viável para driblar a pandemia, a distância e o isolamento. Foi necessária uma catástrofe para o mercado compreender que nem todos tem acesso aos mercados internacionais, seja pelos custos, seja pela praticidade. São muitos os produtores e distribuidores pequenos que nunca puderam participar destes eventos por não terem verba para isso. Digo compreender, porque saber, todos sempre souberam.
Mercados online são mais democráticos, permitem a participação de players que não podem viajar por compromissos, agendas ou mesmo pelos custos gerados, como: passagem, hospedagem, deslocamento, almoços, jantares... Mas, para não se perder a relação humana, o contato “olho no olho”, “face to face”, a tendência deverá ser cada vez mais a realização de mercados híbridos. O Marché de Cannes já anunciou que isso deve acontecer, a partir de 2021.
Se este artigo fala de mercados, não tem como não falar de festivais, que são a vitrine do audiovisual, e a grande ferramenta para o mercado funcionar. Em maio, os 21 principais festivais de cinema internacionais organizaram o “We Are One: A Global Film Festival”, reunindo filmes de todo o mundo, em todos os formatos, em uma plataforma digital. Ali, estavam preparando os espectadores para o futuro, nada distante, buscando entender todas as alternativas.
Em nosso presente, Veneza, Toronto, San Sebastian, BFI London optaram pelo mercado híbrido. Tóquio será totalmente online. Busan ainda é uma dúvida, e dúvidas costumam levar os eventos para o universo internet.
E, mesmo alguns optaram pelo isolamento para evitar o cancelamento: Karlovy Vary, na República Tcheca, realizou o festival com filmes do mundo todo, apenas nos cinemas tchecos. Sem convidados internacionais.
Para 2021, adiamentos já estão acontecendo: Roterdã e Sundance, que abrem o calendário, adiaram suas realizações por algumas semanas. Berlim deve passar pelo mesmo processo. E, assim, 2021 vai demorar para começar...
Nos mercados, o mesmo: Filmart, em Hong Kong, adiado para agosto. Mipcom, em Cannes, prorrogado para outubro. E, isso pode mudar até que este artigo seja publicado. O mundo está se adaptando e se transformando, hora a hora, ao sabor da urgência do momento e dos novos protocolos de prevenção, de segurança e da preservação da saúde.
Ainda é cedo para um balanço mundial da vida dos profissionais do audiovisual, pós-Covid-19; mas já dá pra entender que lá adiante, dúvidas, incertezas e inseguranças ainda vão pautar a realização ou não destes encontros.
Esta situação pode passar, podemos viver o que chamam de “novo normal”, mas pelos próximos meses, ainda viraremos ilhas de nós mesmos. E, para ver o que acontece além de nossas fronteiras, a internet vai ser nosso porto seguro. Então, troquem suas milhas áreas por pacotes mais potentes de internet.
Leila Bourdoukan
Leila Bourdoukan é produtora cultural e jornalista, com passagens por produção, exibição e distribuição.
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