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Artigo / Cinema

23 Julho 2020

Hora de re-re-re-inventar o cinema

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Todo filme tem seu público. Mais de uma vez na história, exibidores e distribuidores precisaram trabalhar juntos para reinventar a experiência de ir ao cinema. O momento em que vivemos é essencial para que o mercado saia de sua zona de conforto. As plataformas de streaming estão dominando o mercado, mas não devemos acusá-las de espantarem o público dos cinemas, assim como a pandemia. Em mais de um século de história, os exibidores de cinema já passaram por diversos momentos que foram considerados a “morte do cinema”, como é o caso da Gripe Espanhola; das Grandes Guerras; da chegada da TV; da chegada da TV à cores; da TV à cabo; e assim por diante. Muitos distribuidores no decorrer da última década, chegaram a dizer que “o cinema morreu” e que “o futuro é do streaming”, como se fosse uma justificativa para a falta de entusiasmo do público com à ida ao cinema. Como justificar então que, em 2019, de acordo com a Comscore, as bilheterias mundiais bateram o maior recorde de arrecadação de sua história? Claro que os blockbusters merecem muito do crédito, mas o cinema independente, e o cinema “de arte” também fizeram números expressivos, como é o caso de uma determinada produção Sul Coreana que parasitou as bilheterias dos cinemas de países ocidentais, mostrando que, atualmente, o cinema está aberto a produções que eram consideradas invendáveis e/ou sem público. O segredo, é claro, está nas mãos de um marketing certeiro e colaborativo entre exibidores e distribuidores.

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Mas, como se reinventar pós pandemia? O trabalho não é fácil, mas se a história pode nos ensinar alguma coisa, é que o público jamais abandonará as salas de cinema. Hoje em dia vivemos em um mundo onde o espectador comum pode ter literalmente uma sala de cinema em seu apartamento, com TVs e sistemas de som de altíssima qualidade, mas a experiência de estar em uma sala escura, compartilhando emoções com desconhecidos, é irreproduzível. O cinema é responsável por diversos inícios de namoro, reencontro de amigos e passeio de famílias. Nas últimas décadas, o que o público mais procurou nos cinemas foram as franquias e superproduções que proporcionam uma experiência muito maior do que um simples filme. E, com isso, o mercado foi se acostumando, usando dados batidos como se fosse impossível competir com essas produções. A verdade é que, para lançar um filme, não podemos competir e se basear em filmes que foram estudados, estruturados e planejados para atingir um público global. O que é necessário fazer, no lançamento de filmes menores, é um estudo e uma campanha de marketing que crie o seu próprio público, e faça com que o mesmo saiba do produto. O público precisa querer consumir algo que ele nem sabe que existe. Grandes blockbusters começam sua campanha de marketing antes mesmo de um filme começar suas gravações. Como competir com tal estratégia? Um trailer e um pôster, lançado dois meses antes de uma estreia, com certeza não é a resposta. Se tal tática já era problemática pré-pandemia, ela com certeza precisa entrar em ostracismo no mercado atual do cinema. Óbvio que produções independentes não possuem tanto caixa para um marketing grandioso, é por isso que distribuidores e exibidores precisam pensar fora da caixinha para criar soluções criativas e certeiras para atingir um público que utiliza a ida ao cinema como uma diversão.

Outro fator que precisará ser explorado com a retomada do mercado é a sala de cinema em sí. A pesquisa mais recente feita pelo Hollywood Reporter, mostra que 65% do público norte-americano não se sente confortável em voltar a uma sala de cinema esse ano. Esse número cai para 19% caso as redes exijam o uso de máscaras dentro da sala. A verdade é que, por mais difícil que seja reconquistar a confiança do público, com um bom trabalho em assegurá-lo de que medidas rígidas serão tomadas, o público inevitavelmente retornará aos cinemas.  Existem pouquíssimas evidencias, mesmo antes do distanciamento social, de que as salas de cinema foram fontes da proliferação do Covid. Isso não significa que as salas de cinema não trazem problemas para a população, mas, segundo um artigo publicado pela revista Science, a probabilidade de contrair um vírus dentro de uma sala de cinema é menor do que em qualquer outra atividade em lugares fechados. Especialistas da Johns Hopkins Medicine nos Estados Unidos, argumentam que em uma sala de cinema fechada onde as pessoas não estão comendo, conversando, interagindo ou bebendo; elas não fazem nada além de estarem sentadas respirando, isso, junto com o uso de máscaras, torna o contágio extremamente difícil.

Esse fato, junto com medidas inteligentes de distanciamento dos lugares e poltronas, já são fatores a favor da segurança das salas de cinema. Esse é outro assunto que merece ser estudado pelos exibidores: a sala de cinema. No decorrer da história do cinema, as salas evoluíram, e muito. Antes compostas por cadeiras de madeira pouco desconfortáveis, hoje já existem salas com poltronas reclináveis de couro. Mas o layout, com cadeiras enfileiradas, permanece o mesmo. Talvez, esse seja o momento de estudar e reestruturar as salas de cinema, onde o distanciamento social entre as poltronas não seja notado, e que pareça algo orgânico e pensando para o conforto de quem vai aos cinemas. Medidas de higiene rígidas, que tecnicamente já deveriam existir a muito tempo, também são fundamentais para garantir a segurança do público.

O público gosta de ir ao cinema. Ele nunca parou de assistir a filmes. Muitos exibidores já estão pensando fora da caixinha, como é o exemplo do revival dos drive-ins com exibições de filmes clássicos. Óbvio que essa é uma solução temporária, mas as seções lotadas por todo o Brasil comprovam que as pessoas estão dispostas a sair de casa para assistir a um filme, mesmo sentadas dentro de um carro e mesmo que ela tenha acesso a esse filme em qualquer plataforma de streaming. Assim como em um filme de ação, precisamos incentivar o grande público para que ele volte a se apaixonar pela ida casual aos cinemas. É necessário fazer com que ele se sinta confortável, é necessário fazer do cinema uma experiência única, repleta de memórias e sentimentos. Todo filme tem um público disposto a assisti-lo em uma sala de cinema. Precisamos que os exibidores e os distribuidores deem as mãos e estejam dispostos a quebrar a cabeça para reconquistar o espectador, pois ele nunca deixou de amar o cinema.

 

 

Referências:

McClintock, P. (2020, July 03). Americans Cautious About Returning to Theaters Immediately Upon Reopening. Retrieved July 06, 2020, from https://www.hollywoodreporter.com/news/moviegoers-cautious-returning-theaters-immediately-reopening-1301577

Rifkin, •, Pahle, R., Staff, B., & Rifkin, J. (2020, January 17). Global Box Office Reaches Record $42.5B in 2019. Retrieved July 06, 2020, from https://www.boxofficepro.com/global-box-office-2019-record-42-5-billion/

Aftab, K. (2020, April 06). Why cinemas will bounce back from the Coronavirus crisis. Retrieved July 06, 2020, from https://www.bbc.com/culture/article/20200403-why-cinemas-will-bounce-back-from-the-coronavirus-crisis

Gui Pereira
Gui Pereira

Gui Pereira é fundador da Dodô Filmes, em São Paulo e cineasta. Estudou na New York Film Academy, e em seguida, formou-se pela Los Angeles Film School em 2010 e fez Pós Graduação, na Art Institute of California, onde se formou em 2012. Sua estréia no cinemas foi com o longa “Coração de Cowboy” em 2018, com a participação de Chitãozinho & Xororó, Gabriel Sater, Thaila Ayala, Thaís Pacholek, Jackson Antunes. Também trabalhou com artistas como: Tom Cavalcante, Garth Brooks e Lou Ferrigno. Recebeu prêmios em diversos festivais no mundo todo.

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