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Artigo / Produção

22 Julho 2020

De volta para o futuro

Na crônica de uma produtora com 30 anos de carreira, viajar até o passado e revisitar o filme da sua história pode ser um jeito de achar os próximos passos do que ainda vamos viver

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No cinema, na TV, no streaming e na vida, dentro de um apartamento, trabalhando em quarentena, revisitar experiências e a própria trajetória podem ser pontos de partida para enfrentar este estranho presente e encontrar chaves para reinventar o futuro.  Não sei, como ninguém sabe, onde tudo isso vai dar. Mas, fecho os olhos e pego carona no filme de “Volta para o futuro”(1985), uma produção de Steven Spielberg, dirigido por Robert Zemeckis. Como se eu fosse Marty McFly (Michael J. Fox), entro na máquina do tempo do Doutor Emmett Brown (Christopher Lloyd) e me transporto para 1998, um ano especial. Nessa época, eu não achei nenhum manual lotérico (como no filme) nem nada disso. Mas tive a sorte de começar a minha carreira na TV Globo, entrando pelas mãos de um grande professor chamado Roberto Talma. Gigante da produção cinematográfica que todos conhecem e grande diretor de televisão brasileiro, Talma me ensinou algumas lições que tenho revisitado neste desafiador ano de 2020.

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Nos encontramos em um momento da vida, lá por 1992, quando eu terminava a faculdade rádio e TV na Faap e, depois de um estágio na Band e na produtora Estúdio B, consegui um emprego na produtora JPO, na qual Talma se dedicava a projetos pessoais em um gap nos seus 40 e tantos anos de TV Globo. Sim, ele já era o Talma. Já havia se consagrado gênio na direção de novelas como “Saramandaia”, “Gabriela” e tantos outros trabalhos de sucesso. Passei a fazer parte do seu time. Quando ele retornou à Globo, exatamente em 1998, com a missão de reposicionar o “Domingão do Faustão”, fiz parte da turma que o acompanhou na sua volta. Depois de um ano passando por experiências diversas e ajudando Talma no “Domingão do Faustão”, fui contratada como coordenadora de produção em 1999, e, anos depois, me tornei gerente de produção. Na Globo, tive uma história rica e eclética. “Sítio do Picapau Amarelo”, “Caldeirão do Huck”, “Fama”, Carnaval, “Na Moral”. Produzi novelas, séries, shows, programas gravados e ao vivo. Me lembro como se fosse ontem da primeira novela que participei “O Profeta”, remake de Ivani Ribeiro, lá por 2005.

Talma sempre foi um professor muito generoso. E a TV Globo, uma grande escola. Um belo dia, ainda trabalhava com ele na Globo em São Paulo quando veio uma nova missão: mudar para o Rio para fazer parte de um novo projeto na emissora. Bateu uma insegurança das novas funções que eu assumiria e sentamos para conversar. “Mas Talma, o que eu faço?”, perguntei, aflita. Sua resposta veio em uma palavra. E num tom rígido, enfático, mas carinhoso, ele apenas disse: “Aprende!”. Isso bastou. A angústia passou e lá fui eu. Com a coragem de seguir em frente. Assim se passaram 20 anos. Seguindo o conselho de Talma na forma de uma palavrinha mágica, construí uma trajetória. Gosto de lembrar que fui uma chefe justa com a minha equipe. Gosto de saber que ainda hoje posso recorrer a grandes profissionais com quem trabalhei ao longo de tantos anos e múltiplos projetos na vida.

Carrego essa lição nesses tempos de reinvenção. Também foi assim – encorajada pelo mesmo “aprende!” do Talma - quando deixei a TV Globo. Abracei a Escarlate, primeiro me lançando em projetos ambiciosos como o filme “De Perto ela não é normal” – cujo lançamento programado para abril foi suspenso pela pandemia. E, depois, tornando-me sócia da nossa brava CEO, Joana Henning, em um projeto fenomenal no qual acredito profundamente. Acredito na Escarlate porque acredito na Joana. Isso é simples, mas isso é tudo. Foi mais um grande encontro que a vida me deu, além de Roberto Talma e tantas outras pessoas importantes na minha carreira. Acreditar nas pessoas e na força do fazer é essencial para avançarmos nos projetos, nos negócios e na aventura da vida.

Quando deixei a Globo, me dei conta, depois de anos de experiência como gerente de produção, que ao assumir a produção de um filme, eu não teria que apenas delegar tarefas para equipes, como contratos, orçamentos, relacionamento com elenco. Eu teria que abraçar isso arregaçando as mangas e muitas vezes fazendo sozinha o que eu delegava antes. Por esses e outros óculos, você passa a enxergar a vida e seus desafios. As reviravoltas, portanto, são fascinantes.

Se você ainda acredita que estamos trabalhando em home office, pare para pensar. Estamos trabalhando em quarentena. É bem diferente. Outro dia falamos disso em uma reunião. O momento é crítico e, nessa hora tão desafiadora, temos que acreditar nas pessoas e nessa força para seguir adiante, sendo criativos, reinventando rodas, superando obstáculos.

E se a máquina do tempo de “Back to de future” segue me transportando, eu me exercito nas livres associações e viajo um pouco mais longe, até a minha infância.  Me chamo Paula porque nasci em 1968 em São Paulo, perto da Avenida Paulista, na Beneficência Portuguesa. Eu me chamaria Flávia, não fosse uma certa gagueira ou língua presa do meu pai, um experiente piloto de avião. Ele não embarcou docemente no desejo da minha mãe, por quem era apaixonado, porque tinha consciência que passaria a vida se atropelando para pronunciar o nome da filha.

Foi com um certo espírito carioca que meus pais se conheceram no saguão do aeroporto do Galeão. Meu pai, paulistano, comandante da Vasp. Minha mãe, paraibana, secretária de um general lotado no aeroporto internacional do Rio de Janeiro, onde ela pousou com o seu desejo de voar para o mundo, deixando a casa dos pais em João Pessoa em busca do seu sonho. Há razões que a razão não explica. Talvez o cenário carioca que romantizou o encontro dos meus pais tenha sido o que me moveu de volta para o Rio de Janeiro em um projeto profissional, muito além do “aprende” imperativo do Talma, que nos deixou em 2015 e faz tanta falta nesse tempo de novos desafios.

Posso seguir dizendo que foi pensando nas coincidentes experiências aéreas do meu pai – e do meu irmão mais velho, carioca e também piloto – que voei segura nas contribuições ao filme “O Sequestro do Voo 375”, projeto da Escarlate com a LTC, inspirado no voo da Vasp que, sequestrado, mirava implodir o Palácio do Planalto no governo Sarney. Pense bem. Os acasos da vida podem virar soluções.

Do alto destes quatro meses de pandemia, sabemos que estamos diante do que batizaram de “novo normal”. Obviamente não queremos que esse novo normal se perpetue, mas talvez tenhamos que nos adaptar. Diretores de produção iniciam seus novos protocolos para o retorno. Muitas interferências virão em cenas como as do interior de um avião, ou cenas de beijo, de aperto de mão, ou até mesmo aquelas cenas de aglomeração. Será que as máscaras e nova roupagem ficarão nos bastidores ou invadirão as cenas contemporâneas aos dias de hoje? Imagine os desafios de conteúdos de época e seu deslocamento tão profundo com nosso comportamento em meio a pandemia. O quanto a tecnologia vai nos dar caminhos para gravar superproduções? Tivemos que revisitar não só a nossa rotina como também nossos cronogramas e projetos. É hora de cruzar experiências, do passado e do presente, para encontrar os caminhos do futuro. Eles certamente virão.

Paula Torres
Paula Torres

PAULA TORRES é Partner e CPO (Sócia e Diretora de Produção) da Estúdio Escarlate. Formada em Comunicação Social na Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), atuou por 19 anos como executiva na TV Globo, entre 1999 e 2017, realizou, na produção, projetos de destaque como O Profeta e Aquele Beijo com gravações na França e Colômbia, Caldeirão do Huck, Xuxa, Sai do Chão, Som Brasil, Domingão do Faustão, Na Moral, Toma lá dá Cá, Pé na Cova, Sexo e as Nega, Escolinha do Professor Raimundo, Brasil a Bordo, Transmissão do Carnaval Rio e São Paulo, Criança Esperança, Shows da Virada, Festeja Brasil, Villa Mix, Lollapalooza, Especiais de fim de ano, Som Brasil, entre outros. Com larga experiência em produção de TV, programas ao vivo, séries, seriados, novelas, shows e eventos de grande porte, ela na Escarlate como executiva de operações, coordenando processos, projetos e equipes.

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