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Artigo / Comportamento

21 Julho 2020

Os antigos gregos já sabiam

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O cinema é uma fábrica de mundos virtuais, onde esperamos ver e ouvir uma boa história bem contada, que nos inspire ou bem nos leve para outros mundos. Para que um filme possa fazer isso, é necessário criar as condições na sala para que nada perturbe a experiencia. Um dos elementos chave é o conforto físico, que depende de muitos fatores, entre eles a postura do corpo e o relaxamento, mas que ao mesmo tempo permita ver a tela sem obstruções e sem forçar a cabeça nem os olhos.  Assistir um filme exige permanecer sentado e quieto num lugar por duas horas ou mais, e qualquer posição forçada durante um período tão longo acaba sendo uma péssima experiencia, bem longe do que pretendemos. E não só tem a ver com o conforto da poltrona.

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Desde que se iniciaram as projeções em 1895, primeiro em espaços improvisados e depois em locais projetados e até bem avançada a década dos 70’s, por tradição os cinemas em sua grande maioria utilizavam nas plateias pisos horizontais. Com esta disposição, para evitar que todos os espectadores menos a primeira fileira assistisse principalmente a nuca do humano sentado na sua frente, a solução era elevar a tela. Mas o ângulo de visão até a base da tela e seu topo resultava tão elevado, que as vezes era necessário curvar o piso e inclinar as poltronas para trás nas fileiras desde a metade da sala para frente. Era uma solução parcial, que muitas vezes nem resolvia direto, e aliás bastante incómoda. A base do problema em verdade tem a ver com a força vertical da gravidade, a nossa anatomia e a necessidade de manter a cabeça erguida e em equilíbrio com um mínimo de esforço. Nessa condição, os olhos naturalmente enxergam com um ângulo para baixo de 15 graus sem forçar músculos oculares. Em verdade, existe um ângulo máximo e mínimo de visual que não força a visão: aproximadamente 35 graus para cima e 40 graus para baixo. Em vez de brigar contra a natureza, algum arquiteto inteligente percebeu que era melhor respeitar tanto a força da gravidade quanto os músculos do nosso pescoço e olhos, e resolveu simplesmente inclinar o cinema em torno de 15 graus para baixo,  como nos estádios, para colocar o visual da tela o mais próximo a ângulo natural de visão, com a cabeça em equilíbrio. Claro que isto vale para uma região central da plateia. E o teto, que não interfere, fica na horizontal e a tela na vertical, para não complicar a engenharia e o aproveitamento do espaço. A grande arte na construção de uma boa sala de cinema consiste em distribuir a plateia de tal forma que não se superem os ângulos máximos ao topo da tela nas primeiras poltronas e mínimos a base desta, e sem obstruções. E o mesmo no sentido horizontal, com ângulos laterais que não forcem os olhos a ângulos maiores a 15 graus a esquerda e a direita.   Naturalmente, o proprietário gostaria de preencher toda a sala com poltronas, mas estas pautas limitam as áreas onde elas podem ser instaladas. O resultado no projeto é uma solução de compromisso, porque sabemos que não todos os lugares da sala serão ideais. E assim, nas últimas décadas mudamos o conceito dos cinemas. Hoje todos os cinemas são construídos com plateia em estádio. Existem outras restrições relacionadas a deformação da imagem quando não assistimos a tela diretamente na sua frente, como assim também o tamanho mínimo e máximo percebido da tela, que limitam a distribuição de poltronas e a forma da sala em um bom projeto. Existem recomendações de engenharia especificas para todos estes aspectos, por exemplo a SMPTE EG18-1994, resultado de muita pesquisa. A ciência de fazer com que a maioria dos espectadores assistam confortáveis a tela completa é chamada de isóptica. Assim, na hora de iniciar um projeto é bom aproveitar o conhecimento e a experiencia adquirida.

Resulta curioso saber que não fomos os projetistas do século XX os que descobrimos pela primeira vez as virtudes dos estádios. A verdade é que tínhamos esquecido o que os engenheiros e construtores de teatros na Grécia Antiga, há dois mil e quinhentos anos, já sabiam muito bem. E tinham suas boas razões.

Carlos Klachquin
Carlos Klachquin | CBK@dolby.com

Carlos Klachquin é gerente da DBM Cinema Ltda, empresa de serviços, projetos e consultoria na área de produção e exibição cinematográfica. Formado como engenheiro eletrônico fornece suporte de engenharia em tecnologias de áudio, entre outras empresas, para Dolby Laboratories Inc, sendo responsável também pela administração de operações vinculadas à produção Dolby de cinema e ao licenciamento das mesmas na América Latina. Desde 2013, trabalha na implementação do programa Dolby Atmos na América Latina, incluindo a supervisão da instalação e a regulagem dos sistemas em cinemas e estúdios e da produção de som Atmos no Brasil.

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