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Artigo / Preservação

21 Julho 2020

Preservação - cinemateca e formação nas escolas

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Estamos vivenciando um movimento de luta, desesperada, pela sobrevivência da Cinemateca Brasileira.

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Nossa querida e mundialmente cultuada instituição, que é uma das responsáveis pela memória cultural brasileira, possuindo a função da guarda e preservação do maior acervo cinematográfico da América Latina, está nos estertores.

A tragédia atinge os mais diferentes níveis, desde o não pagamento de funcionários, até cortes de energia e de refrigeração, que geram enormes perigos, que podem determinar seu fim físico, além do simbólico, a exemplo do que já aconteceu outras vezes.

É mister salientar que a Cinemateca não é só um repositório das obras audiovisuais, embora se o fosse já seria essencial. Mais do que isso, ela é um espaço riquíssimo de pesquisas, exibições, reflexões, educação e, até mesmo, de convergência efetiva entre estudantes, pesquisadores, cinéfilos e profissionais. Além disso, seu corpo técnico altamente qualificado orientou e colaborou com a construção de diversos acervos, no caso das escolas podemos citar o da ECA- USP e o da Filmoteca da Faap. Dessa última tive o privilégio de poder testemunhar a construção e suas incontáveis ações em prol da memória, inclusive de restauros de películas, sempre sob a batuta do nosso mestre incansável, o montador e historiador Máximo Barro.

Se deixarmos a Cinemateca morrer, não estaremos aceitando como inevitável a efemeridade do cinema brasileiro?

A semente da Cinemateca foi plantada no início da década dos anos 40 por Paulo Emílio Sales Gomes, Antônio Candido de Mello e Souza Décio de Almeida Prado, entre outras pessoas, que valorizavam, via cineclubes, o cinema como arte autônoma, a ser debatida estudada profundamente.

Desde sua criação oficial, em 1946, essa instituição fechou e reabriu, foi censurada, teve suas instalações várias vezes incendiadas devido à autocombustão do suporte de nitrato, sofreu calúnias diversas, assim como suas e seus dirigentes, e passou por inundação. Em 2016, teve sua gestão transferida para a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, que agora alega que o governo federal não respeitou o contrato e não mais repassou as verbas necessárias (a trama envolve também a TV ESCOLA, mas essa é uma longa história).

Essa notícia vem sendo amplamente divulgada pela imprensa e associações e a utilizo para introduzir o tema da PRESERVAÇÃO nos cursos superiores de ensino de cinema e audiovisual.

Com a passagem do analógico para o digital, o dilema geral surgido para a preservação de obras[i], também se apresentou para o ensino de audiovisual, que tradicionalmente possui muitas fragilidades no que concerne a seus acervos.  

O objeto “preservação” consta das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação de Cinema e Audiovisual, emitidas pelo Conselho Nacional de Educação, Resolução n° 10, de 27 de junho de 2006: O egresso do curso de Cinema e Audiovisual deve estar capacitado nas seguintes áreas: c) Teoria, análise e crítica do cinema e do audiovisual – voltada para a pesquisa acadêmica nos campos da história, da estética, da crítica e da preservação (...)”

Por diversas vezes dentro do FORCINE, desde seu primeiro congresso em 2003, salientamos que, mais do que simplesmente fazer filmes, as escolas precisam se preocupar em preservar o que já existe. Foram muitas deliberações apontando para a necessidade de os cursos contemplarem, em suas grades, disciplinas obrigatórias dedicadas à preservação, bem como adoção de ações de guarda e catalogação da profusão de obras audiovisuais produzidas e de todos os materiais gerados pelos projetos.

Saliento: há um enorme volume de obras audiovisuais produzido pelas escolas brasileiras, porém não há constância na conservação adequada desses acervos.

Podemos dar várias justificativas para isso, a principal, muito verdadeira, é a de que as universidades, principalmente as públicas, sofrem com a desvalorização ostensiva do ensino, enfrentando diversos problemas financeiros, gravíssimos, e que os custos de estrutura e de mão de obra especializadas para a preservação parecem, à primeira vista, altos e desnecessários. Se não há dinheiro para pagar professores e funcionários, fornecer equipamentos, manter luz e água, laboratórios, estúdios, salas de aula e outras infraestruturas mínimas adequadas, como gastar com a instalação e manutenção de câmaras de armazenamento com temperatura e umidade adequadas e mão de obra especializada?

O problema é que “aqui tudo parece que ainda construção e já é ruína”, como bem disse Caetano Veloso, e aí vamos cair naquele cruel artifício usado pelos mesmos que deveriam fornecer as condições para que as coisas se operem e não o fazem:

Para que cultura, se não temos ensino de qualidade?

Para que Cinemateca, se não temos hospitais?

A resposta, dessa vez, vem dos Titãs: é tudo, ao mesmo tempo, agora!

Não existe “ou”, existe “e”.

Mas então, dentro dessa penúria, dentro do ataque sistemático à cultura e à educação, o que ainda podemos fazer além de estarmos constantemente em luta contra governantes que querem destruir tudo o que nos é mais valioso?

Fazer a nossa parte: as escolas precisam criar uma cultura de preservação, ensinar às e aos estudantes de que não basta fazer obras, é necessário guardar a memória para quem virá.

Também devemos educar essas e esses discentes para serem agentes da preservação, seja na criação e valorização de políticas públicas, seja atuando profissionalmente na criação e preservação de acervos.

O mantra é: a memória é nosso objeto mais precioso, sem ela estaremos condenadas e condenados às correntes, no monte Cáucaso, da destruição e reconstrução eternas, a cada dia.

 

 

 [i] Sobre esse dilema, ver http://cinemateca.org.br/wp-content/uploads/2016/08/Dilema_Digital_1_PTBR.pdf e http://cinemateca.org.br/wp-content/uploads/2018/12/Dilema_Digital_2_PTBR.pdf

Luciana Rodrigues
Luciana Rodrigues

Luciana Rodrigues é coordenadora da Pós-Graduação em Gestão de Produção e Negócios Audiovisuais da FAAP e professora na mesma instituição. É parecerista da ANCINE, colaborou na criação e foi presidente do FORCINE- FÓRUM BRASILEIRO DE ENSINO DE CINEMA E AUDIOVISUAL. É Doutora e Mestre na área do Audiovisual pela USP, possui bacharelados em Comunicação- com Habilitação em Cinema- e em Direito.

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