20 Julho 2020
Vilão sem máscara
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Quem está acostumado a ver filmes de terror sabe que sempre há um personagem na trama que vai tomar uma decisão que parece absurda. Terror está longe de ser o meu gênero preferido de filme e, talvez para não ser pego pela história, um dos meus passatempos seja ver quem irá tomar a decisão mais esdruxula. Por quê? Por que vão se esconder justamente no porão da casa? Por que decidem olhar para trás enquanto estão correndo? Por que ignorar todos os avisos de perigo? É claro que no momento de pressão as pessoas podem tomar decisões precipitadas, mas me parecia ser muito mais um descuido de roteiro ou de direção. Afinal, como podem fazer isso em quase todos os filmes de terror?
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Em ‘A Bruxa de Blair’ o mapa que os guiariam para fora da floresta é jogado no rio. Em ‘Os Estranhos’, Kristen decide voltar para a casa onde foi atacada por um grupo de maníacos após ter escapado. Em ‘O Chamado’, praticamente todos sabem o que acontece se você assistir ao VHS. Em ‘Saw’, um dos melhores desta lista, Dr. Gordon prefere serrar o pé no lugar de usar a serra para alcançar o celular e ligar por socorro. São tantos roteiros furados, perfurados ou talhados, que me lembro de uma publicidade americana satirizando o poder de decisão em filmes de terror. Nela, quatro adolescentes discutem se devem fugir usando o carro já com o motor ligado ou se abrigar no sótão de um casarão. No final, decidem se esconder atrás de motosserras penduradas, para perplexidade do assassino psicopata que os observa.
Muitas vezes achei inaceitável uma produção de milhões de dólares ter personagens tão bocós. Mas, como se trata de ficção, fazer o quê? Hoje, peço desculpas a esses roteiristas e diretores que tanto critiquei. Agora vejo que essas pessoas não são fictícias, elas estão vagando por aí sem conexão com a realidade e seguem não vendo os sinais de perigo espalhados por todos os lados. A única coisa que os unem tanto nos filmes de terror como na crise atual é gritar para quem estiver usando uma máscara.
A Organização Mundial da Saúde confirma que um dos maiores problemas é a polarização e politização no combate à pandemia. O simples ato de usar máscara pode ser interpretado por alguns extremistas aqui nos Estados Unidos como uma opção política e partidária. Infectologistas advertem a importância do distanciamento social, e ainda assim alguns preferem jogar fora o “mapa” de recomendações sem ver que estão andando em círculos. Apesar da eficácia no uso de máscaras, há quem ainda prefira “serrar o pé” no lugar de usá-la. Os sinais estão cada vez mais claros e o número de mortes é provavelmente maior do que as que aconteceram nas franquias de terror. Sem dúvida, a esmagadora maioria não foi afetada até o momento, mas há quem queira fazer como Kristen e regressar para enfrentar o perigo sem qualquer tipo de proteção. Às vezes parecem que querem mais é dividir a sociedade. ‘A Casa da Colina’ já mostrou que se dividir em um momento de risco não é lá uma ideia muito inteligente.
Um tema comum é que as pessoas mascaradas sempre representaram perigo nos filmes de terror. Muitas dessas máscaras se tornaram ícones do gênero, seja a de Michael Myers, Jason ou a Ghostface do filme Pânico. Agora quem NÃO estiver usando máscaras nas salas, nos corredores e lobbies podem sim representar uma ameaça para os cinemas, principalmente nesse momento de reabertura. E fiquem certos de que sim, terão pessoas entrando nos cinemas e se recusando a usar máscaras ou qualquer tipo de proteção. Será importante que os exibidores estejam preparados para realizar os protocolos necessários para o bem dos demais clientes e do próprio mercado. Afinal, diferentemente do que acontece nesses filmes, acesso fácil ao celular é o que não falta; e clientes postando vídeos de pessoas andando sem máscaras e aglomerações nos cinemas podem sim afugentar outras pessoas. Esses procedimentos para o uso de máscaras podem afetar outras receitas, como bomboniere, mas o problema maior nesta retomada é ter salas de cinemas com pessoas amedrontadas, e sem ser por conta do filme que estão vendo.
Ricardo Bollier
Profissional com mais de 15 anos de experiência na indústria do entretenimento, tendo passado por empresas globais como Fox Film, Warner Bros, Dolby e D-BOX. Atua nos mercados da América Latina e Estados Unidos, juntando conteúdo, experiências e tecnologia.
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