17 Julho 2020
O negócio da produção em um novo mercado audiovisual
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Não é novidade para ninguém que a indústria audiovisual passa por mudanças profundas em todo o mundo. Disrupções tecnológicas associadas a processos de consolidação no setor criaram, nos últimos 5 anos, um novo ambiente de negócios em nível global. A concorrência se acirrou, de forma avassaladora.
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É também óbvio que os efeitos de tais mudanças, dada sua natureza estrutural, se espalham pela cadeia de valor da indústria e impactam todos aqueles que atuam no setor – talentos, técnicos e, claro, produtores –, alterando profundamente a forma de se fazer negócios. No Brasil, esse cenário é também influenciado por fatores locais, fazendo do momento atual um grande desafio, além de uma grande oportunidade.
A primeira grande marca deste novo mercado audiovisual é a pluralidade de plataformas, serviços e modelos de oferta aos consumidores. Com cada uma delas buscando conteúdo para seus públicos específicos, o que se espera é um grande aumento da demanda por conteúdo em escala global, regional e local. Mais que um aumento, verifica-se também uma sofisticação à medida que cada serviço ou plataforma busca satisfazer seus públicos específicos, diferentes nichos, em um processo guiado a laser pela eficiência na análise de dados e preferências.
Nesse contexto, identificamos 4 pontos a serem observados por produtoras de todos os tamanhos, focos e especialidades, cruciais para que tenham sucesso nesse novo ambiente de negócios:
- GESTÃO DOS PROCESSOS CRIATIVOS
Em um cenário de competição acirrada, vencerão sempre as melhores histórias. Produtoras precisam, portanto, estar munidas do capital humano necessário para concebê-las, e serem capazes de gerir estes processos criativos em larga escala. O foco das produtoras deve ser alterado, saindo da gestão dos processos de produção de obras para a gestão dos processos de criação.
Isso, de um lado, significa dizer que as produtoras devem se estruturar para ser, em grande medida, produtores de argumentos e roteiros, e contar em suas equipes com número maior de profissionais especializados (muitas vezes de forma permanente). De outro lado, devem estar focadas em pesquisa – levantando e analisando dados sobre tendências, hábitos de consumo e, especialmente, sobre audiência e foco das plataformas, janelas e serviços para os quais pretendem produzir.
As produtoras que irão se sair melhor neste novo ambiente de negócios serão aquelas que se especializarão em produzir histórias em linha com os objetivos estratégicos de cada player – que são distintos e também evoluem ao longo do tempo. Manter-se em sintonia com esta evolução será sem dúvida crucial.
- GESTÃO DE TALENTOS
Ao lado da gestão dos processos criativos, as produtoras terão de se reinventar para se tornarem verdadeiras empacotadoras de talentos (para usar a expressão em inglês, talent packaging, já bastante conhecida em mercados como o norte-americano). Isso significa dizer que as produtoras deverão estar cada vez mais focadas em atrair e reter talentos para suas produções – tornando-se verdadeiros hubs de talentos. Já temos visto esse processo se desenrolar em nosso mercado, e cada vez mais as produtoras deverão se organizar de forma a possibilitar que os talentos sejam realmente a força motriz de suas operações.
Atores, diretores e roteiristas serão cada vez mais valorizados, pois representam o verdadeiro diferencial em nossa indústria – e produtores deverão estar prontos para reconhecer isso e criar as condições para que seus projetos embarquem estes talentos desde o princípio. Antigamente, falava-se muito em “produtoras de diretores” em contraposição a “produtoras de produtores”, em alusão ao fato de que algumas produtoras estavam mais focadas no processo criativo, ao passo que outras miravam na eficiência de produção. Cada vez mais esta distinção deixará de fazer sentido, pois o sucesso das produtoras dependerá cada vez mais da eficiência com que conseguirem unir estes dois aspectos em um mesmo sistema de operação – mais que unificados, em absoluta sinergia.
- GESTÃO DE PROCESSOS
Como decorrência lógica dos pontos anteriores, a eficiência na gestão de processos integrados passará a ser um grande diferencial. À medida em que os processos de produção pura e simplesmente se tornam cada vez mais commodity em um mercado ultra competitivo, a capacidade das produtoras em gerir com eficiência os processos criativos e de produção de forma integrada, atacando ineficiências e, sobretudo, focando no que realmente agrega valor ao processo, será fundamental.
De maneira mais específica, as produtoras que atingirem níveis altos de eficiência na gestão dos processos de produção estarão, automaticamente, mais capacitadas a voltar seu foco e atenção para os dois pontos anteriormente citados. A geração de production value a partir de processos integrados de criação e produção será, talvez, o maior diferencial das produtoras no ambiente de mercado que estamos vivendo.
- GESTÃO DE CAPITAL
Por fim, talvez o mais importante de todos os aspectos – até mesmo porque é aquele que viabiliza todos os anteriores – uma gestão eficiente de capital será fator determinante no processo de “seleção natural” pelo qual passará o setor de produção audiovisual no Brasil.
Em primeiro lugar, porque a dinâmica concorrencial deste mercado, alavancado pelo alto volume da demanda por conteúdos, não permitirá que o setor continue sendo financiado por mecanismos de subsídios públicos como tem ocorrido nos últimos vinte anos. Seja porque o financiamento público embarca necessariamente processos mais burocráticos e restritivos, ou porque simplesmente dada a condição fiscal do país o volume de financiamento disponível não será suficiente para fazer frente à demanda, o fato é que as produtoras deverão especializar-se na gestão de capital como forma de viabilizar suas operações e criarem diferenciais competitivos no mercado.
Além disso, as necessidades de gestão de criatividade, de talentos e de processos requer uma estrutura de capital diferente daquela que temos observada nos últimos 20 anos, “baseada em projetos”. Como visto acima, as exigências do mercado obrigam produtores a manter equipes criativas, a atrair e reter talentos, financiar a atividade de desenvolvimento – todos estes processos que transcendem a lógica de projetos específicos e exigem uma estrutura de capital mais robusta.
Neste cenário, arrisco dizer que cada vez mais veremos alternativas de financiamento e capitalização de empresas ganharem corpo no mercado de produção audiovisual nacional. No campo da dívida, linhas de financiamento subsidiadas podem ser alternativas de curto prazo, assim como estruturas de venture debt adaptadas ao setor audiovisual. No campo do equity, arrisco dizer que veremos um processo de consolidação de produtoras, guiado tanto por fundos de venture capital (à medida em que a demanda crescente por conteúdos torne este setor cada vez mais atraente) como pelo interesse de produtoras estrangeiras no mercado de produção de conteúdo local – parcerias que, aliás, podem também catapultar empresas e talentos brasileiros para mercados internacionais.
Em suma, à medida que modelos de negócio e ofertas aos consumidores evoluem, o setor de produção deve acompanhar esta evolução. Deixar para trás velhas práticas e estruturas obsoletas não será uma opção, mas questão de sobrevivência. Como em todo processo de inovação, a implementação de uma nova visão de negócios não é fácil, mas todo sacrifício será certamente recompensando pelas imensas oportunidades que se apresentam.
José Maurício Fittipaldi | fittipaldi@jmfmedia.com.br
JOSÉ MAURÍCIO FITTIPALDI (fittipaldi@cqs.adv.br / http://linkedin.com/in/jfittipaldi) – Advogado especializado nos mercados de mídia e entretenimento, sócio de CQS|FV Advogados (www.cqs.adv.br). É também sócio-fundador da JMF Media, onde presta consultoria a grandes players dos mercados de mídia e entretenimento, e co-fundador da Animus Consultoria e Gestão, especializada na gestão de investimentos sociais privados para investidores nacionais e internacionais (www.animusconsult.com.br).
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