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Artigo / Reinvenção

14 Julho 2020

Salve o Cinema, Mais uma Vez

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Mais uma vez o cinema precisa provar que resiste. O desafio não é novo, embora suas circunstâncias sejam. Primeiro foi a ameaça da televisão, ainda nos anos 1950. Quem iria sair de casa podendo ver filmes na comodidade do lar? Depois, nos anos 1970, o advento do videocassete, que permitia, além do conforto, a seleção do programa. Mais recentemente, o streaming – muito superior à disputa pelas cópias de VHS nas locadoras. Em todas as potenciais ameaças, sempre havia inovações tecnológicas que multiplicavam as possibilidades de acesso aos filmes sem eliminar as anteriores. Agora, contudo, o vilão da história não é a difusão da tecnologia, mas do Covid-19, que fechou boa parte dos cinemas do mundo e lançou a sombra da incerteza sobre o setor audiovisual no futuro próximo.

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Muitos filmes tiveram sua produção suspensa ou atrasada. Houve adiamento no lançamento no cinema de várias obras que já estavam prontas ou seu cancelamento e consequente disponibilização em plataformas de streaming. O problema é que, enquanto tudo isso acontece, os exibidores estão com as salas fechadas em um segmento da economia que, nos planos de saída gradual do isolamento social, por qualquer perspectiva que se olhe, sempre aparece no último lugar. De fato, a cautela se faz necessária. Cinema, teatro e demais casas de espetáculo, são lugares de aglomeração e é exatamente isso que precisamos evitar. Contudo, a passagem do tempo já se faz sentir. Em maio, circularam na internet fotos de um cinema da Malásia coberto de mofo[1]. Haverá outros, no exterior e aqui. É por isso que desde agora, antes de ensaiarmos um retorno às atividades culturais, é preciso pensar em alternativas sustentáveis para o setor.

Com cinemas fechados desde março, a situação no Brasil é sensível e as consequências já se fazem presentes. O Grupo Estação, por exemplo, que opera desde 1985 o Estação Botafogo (atualmente, Estação Net Botafogo), lançou uma campanha de crowfunding para garantir o pagamento de seus funcionários e, na sequência, a preparação para a reabertura, com regras de higienização e segurança e, finalmente, a criação de um site novo com o lançamento de uma plataforma de VOD (video on demand). Apesar de se tratar basicamente de um plano de sobrevivência, temos aqui os três elementos que compõem a bússola que vai orientar as atividades culturais nos próximos meses: humanidade, precaução e diversidade.

É preciso cuidar das pessoas e atentar para os cuidados sanitários de limpeza e distância. Por isso, fala-se em cinemas abrindo com 50% ou mesmo 25% de sua capacidade total. Não vai ser diferente com lojas e restaurantes. Contudo, a diversidade vai ser cada vez mais necessária para assegurar a sobrevida da cultura.

O mercado de livros, por exemplo, vem enfrentando a época de vacas magras com e-books, edições especiais (que mesmo mais caras só fazem sentido em meio físico), impressão sob demanda, parcerias com cafés e restaurantes e a transformação de livrarias em espaço de noites de autógrafos e de cursos, de modo a aumentar o fluxo de pessoas e estimular as vendas. Enquanto algumas grandes livrarias fechavam antes mesmo do início da pandemia, livrarias menores viviam um bom momento no mercado, investindo também em um atendimento mais personalizado.

Qual o lugar da diversidade no cinema? Além do óbvio espaço para comer alguma coisa entre uma sessão e outra, os cinemas costumavam ter acopladas a eles salas onde funcionavam videolocadoras. Mas quem ainda alugaria filmes com a quantidade de obras disponíveis na internet?

Se for possível um breve exercício de futurologia neste momento, acho que dá para afirmar que as plataformas de streaming serão fortalecidas em um mundo pós-pandemia. O cinema vai continuar a existir, mas talvez as salas de exibição sejam cada vez mais dominadas por grandes lançamentos. O filme independente, alternativo, de menor expectativa de mercado talvez migre para outras mídias.

Para além do acesso aos filmes, as salas de exibição precisam se reinventar como lugares para pensar o cinema. Acolher a produção local e independente, oferecer cursos presenciais e online e investir na diversidade de públicos serão estratégias fundamentais para extrapolar o lugar de acesso a obras audiovisuais e a entretenimento. Sem diversidade, será cada vez mais difícil formar novos cinéfilos e pensadores do cinema e da arte. O apoio à diversidade talvez seja uma das mudanças a ajudar a salvar o cinema mais uma vez e tantas outras quantas sejam necessárias.

 

[1] https://www.dailymail.co.uk/news/article-8314609/Malaysian-cinema-covered-mould-two-month-coronavirus-lockdown.html

Sérgio Branco
Sérgio Branco

Sérgio Branco é sócio da área de Tecnologia e Propriedade Intelectual do Rennó, Penteado, Reis e Sampaio Advogados. Atua nos segmentos de propriedade intelectual, direito da tecnologia da informação e contratos, com foco em questões de direitos autorais e negócios digitais. Diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS). Professor convidado do doutorado em Inovação, Ciência, Tecnologia e Direito da Universidade de Montréal. Professor de Direito Civil e de Propriedade Intelectual do Ibmec. Professor de Propriedade Intelectual da pós-graduação da FGV. Autor dos livros "Memória e Esquecimento na Internet" e “O Domínio Público no Direito Autoral Brasileiro – Uma Obra em Domínio Público”, entre outros.

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