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Artigo / Criatividade

08 Julho 2020

Fé na criatividade

A exemplo do fenômeno das lives na quarentena, essa é chave do sucesso para qualquer profissional do entretenimento e o combustível para a arte e sua indústria

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Gus Portokalos é um dos meus personagens favoritos do cinema.

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Para quem não lembra, ele é o patriarca da família em “Casamento de Grego”, coprodução de 2002 que teve fantásticos 6150% de retorno do investimento. Na comédia, Gus, pai da protagonista Toula, usava limpa-vidros como panaceia para seus males e não perdia uma oportunidade de dizer que tudo, tudinho que a gente conhece hoje veio do grego.

Desde então descobri com o sr. Portokalos o passatempo de pesquisar a etimologia das palavras. Quer uma? Pandemia, por exemplo, veio do grego. A palavra que a gente conhece é relacionada à uma epidemia de alcance mundial. Mas a sua origem, ao pé da letra, é pan: todo e demos: povo. “Todo povo”. Quem usou o termo pela primeira vez foi Platão para referir a qualquer acontecimento capaz de alcançar toda uma população. E essa é chave do sucesso para qualquer profissional ligado ao entretenimento. A Lady Gaga ou o BTS seriam bons candidatos. Mas por quê? Porque o povo os quer e quem manda são eles, que a gente chama de audiência.

Veja o boom das Lives. Estas sim, se tornaram uma pandemia e dividiram a humanidade entre os que as acompanham e os que tentam fugir delas. Mas todos, sem exceção, foram impactados.

E surgiram de onde? Bem, o recurso tecnológico já existia. Era amplamente usado pelos nossos deputados federais que passavam mais tempo em plenário fazendo lives para suas bases do que trabalhando pelas causas que os elegeram. No cenário de terra arrasada que o vírus de 2020 impôs ao entretenimento coletivo, cinemas, teatros e shows perderam seu povo, sua audiência presencial. Ok, mas porque se tornaram um fenômeno? A versão mais repetida é que, para não ficarem inativos ou caírem no limbo do esquecimento, artistas improvisaram aparições via redes sociais para seus públicos. Só que chamar de improviso é desvalorizar algo que foi um experimento de proporção global.

O principal combustível para a arte e para a indústria criativa se chama criatividade. Voltando à etimologia, esta vem do latim creare, “a capacidade de inventar, produzir, criar coisas novas”. Para isso, há de se tentar e testar. Ou seja, o fenômeno não veio da tecnologia, mas da adesão coletiva de artistas do mundo inteiro que criou uma linguagem e uma nova experiência.

Aliás, essa também veio do latim, experiência é “o ato de aprender ou conhecer além das fronteiras e dos limites”. É isso o que importa sobre as lives.

Elas não são uma substituição ou um improviso para continuar o show. Vimos nascer uma nova linguagem que proporciona outro tipo de experiência para os fãs que a abraçaram incondicionalmente. E os fãs sabem: uma live nunca vai substituir um show. Em compensação num show, nunca teremos a Ivete Sangalo cantando e dançando de pijama com a filha chutando balões de festa enquanto seu marido está lá na cozinha fazendo suas coisas como se não houvesse alguns milhões observando. O áudio meia boca, a não-direção de arte, a iluminação doméstica. Tudo colaborou para que a Covid-19 colocasse todos os seres humanos no mesmo patamar e fizesse as celebridades descerem do salto para mostrar que usam pantufas como nós, os mortais.

Com ela, descobrimos que os ídolos não moram em palácios. Tem rodo e balde num canto do quintal como na minha, na sua e na casa da minha tia. O gosto pela realidade Big Brother encontrou sobrevida nas lives.

Se acrescentarmos o noticiário no território do entretenimento, – coisa que ele também é – pudemos presenciar jornalistas e comentaristas se postarem sobre extensas estantes de livros, que se tornaram o backdrop da credibilidade. E dá-lhe notícias enquanto tentamos ler as lombadas dos livros para saber o que os faz tão bem informados. Mas às vezes é só marketing. Quem já sabia disso era o empresário Humberto Saad, que além generosamente revelar ao mundo Luiza Brunet, tinha em casa uma parede inteira de livros falsos, para que nas fotos e entrevistas ela fizesse uma transfusão de intelectualidade para sua bem-sucedida persona.

Enfim, o advento das lives nos serve para comprovar duas coisas. Uma que a inovação e reinvenção de negócios pede atenção ao comportamento das pessoas. Aliás, a palavra negócio vem do latim e significa “negar o ócio”, ou seja, temos muito trabalho e oportunidades pela frente. A outra é que o sr. Portokalos é um fanfarrão e nem tudo vem do grego.

Duda Hernández
Duda Hernández

Diretor de conteúdo do Estúdio Escarlate. Roteirista e diretor de criação com longa carreira na Indústria Criativa. Escreveu para séries como “Gente Lesa” (Comédia|2009|GNT), “Au Vivo” (Doc|Playplus|2019), o curta “Sou” (Doc|2008) e "30 Segundos" (Doc| Globo|2018), que também co-dirigiu. Especialista em Branded Entertainment, criou a webserie “Pensando bem” com o grupo As Olívias (Comédia |Pfizer | 2011) e “Hack SP” (Doc |Adidas|2018). Na parceria com o Facebook criou o VR “Rio Olímpico” (Mastercard|2016), assistido por mais de 25 milhões de pessoas. Na pandemia roteirizou “Go Brasil” (Young Living | 2020), live de 24 horas com Cris Flores, Letícia Spiller, Bruno Gagliasso, Sandy, Thiago Abravanel e Flávia Garrafa. Integra salas de roteiros e é tutor da Escola Britânica de Artes Criativas.

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