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29 Junho 2020

A era da desigualdade digital: Como podemos reverter?

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Este artigo foi escrito em parceria com Di Moretti.

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16 de março de 2020 foi um dia atípico, em quase todo Brasil, um dia incomum que mudaria nossas vidas para (quase) sempre. Em muito pouco tempo, talvez horas, tivemos que resignificar, readaptar nossos destinos a um novo e muito pouco admirável mundo. Além do medo do desconhecido, do invisível, do intangível, tivemos que agregar novas palavras ao nosso parco vocabulário do dia-a-dia, algumas bem estranhas: lives, lockdown, home office, home schooling, home stay...

Pela primeira vez, na era moderna, o termo “ficar em casa” poderia significar igualdade social e econômica. Afinal, todos nós, “hipoteticamente”, poderíamos acessar às mesmas informações que recebemos via TV, celular, computador... Todos nós, “democraticamente”, poderíamos ver filmes, séries, telejornais, música; discutir e debater, navegar... Todos nós, “igualitariamente”, poderíamos assistir aulas e palestras, nos relembrando dos tempos idos do saudoso e falecido Telecurso 2.º Grau... 

Opa! Foi nesta hora que tudo que aprendemos sobre igualdade começou a ser questionável, um revés, um soco no estomago digno de um peso pesado campeão. Um chacoalhão nas nossas certezas definitivas, nas nossas verdades absolutas. As ofertas de entretenimento, ensino à distância, informação remota, revelaram que não existe igualdade alguma nesta quarentena, a não ser o risco da contaminação.

Percebemos, tardiamente, que não são todos que têm o básico: acesso aos meios de informação. Muitos políticos levianos, desculpem o pleonasmo, gargantearam que todos os brasileiros têm pelo menos dois celulares e uma tv em seus lares. O que eles esqueceram de mencionar é que os serviços de internet não são acessíveis economicamente para muitos destes felizardos brasileiros. É como ter um carro na garagem e nenhuma gota de gasolina no tanque.

Os serviços de internet, satélite, antena, rádio, fibra, cabo são caros e deficientes. Há muitos anos ouvimos a escala de força 3, 4, 5G... e o que parecia um avanço tecnológico em busca da eficiência, independência e democratização na comunicação virou mais um novo apartheid social, quem tem grana tem poder.  

Pediram para ficarmos isolados em casa, mas esqueceram que isto significaria ficarmos isolados em casa, sem acesso às informações. Sem celular moderno, com plano básico de dados, sem internet... A equação é simples: sem cultura, sem educação, sem comunicação.

As filas gigantescas e desumanas de brasileiros na frente das agencias da Caixa Econômica Federal para buscar Auxílio Emergencial nos fez entender bem facilmente que isolamento social não é para todos, só para aqueles que podem.

O Cetic.br — responsável por indicadores e estatísticas sobre disponibilidade e uso de Internet no Brasil — mostra que cerca de 70 milhões de brasileiros têm acesso precário ou nenhum à internet. Mais de 40 milhões nunca acessaram uma internet. Ou seja, 1 em cada 4 brasileiros não recebe informações como deveria ou não recebe qualquer tipo de informação. 

Neste cenário, dar um simples download de uma apostila é tarefa quase impossível, fora dos grandes centros urbanos. E, os que têm acesso a esta informação sofrem pela péssima qualidade do serviço oferecido, tempo ralentado, interrupção de transmissão, falha técnica, falta de cobertura a todo o território nacional...

Ou seja, quase 300 anos depois da Revolução Industrial estamos ainda engatinhando em termos de democratização dos meios de comunicação. Vivemos sim a Era da Desigualdade Digital e da maneira mais cruel: sem apoio, sem incentivo, sem perspectiva...

Este é o momento de tentarmos mudar esta equação que sempre dá resultado negativo. Não podemos mais depender da ladainha política e de promessas vãs.

Existem diversas publicações e estudos sobre a importância da internet, em espaços comunitários, que mostram que a mobilização da sociedade civil pode produzir resultados mais rápidos e mais eficientes. Mas o que é uma sociedade civil?

Segundo o sociólogo Paulo Sergio Pinheiro, “Sociedade Civil é um dos conceitos mais citados e, ao mesmo tempo, mais obscuros da teoria política contemporânea”. Seja lá o que signifique, é chegada a hora dessa tal sociedade civil consumidora cobrar seus representantes, empresários e investidores. Deveria se formar uma grande rede de conexão pública para democratizar o acesso à informação no Brasil, sem paternalismo, visando apenas atender mais pessoas, em mais lugares:

- As empresas de telecomunicação deveriam doar linhas de acesso a internet, pacotes de dados móveis, Wifis públicas... Por que não instalar antenas, cabos ou mesmo fibras óticas nas praças das periferias e logradores públicos das comunidades? Isso transformaria estes locais em Pontos de Encontro, pesquisa, entretenimento, divulgação de conhecimento, nossas novas “bibliotecas públicas”.

- As empresas de equipamento eletrônico poderiam doar, para estes mesmos pontos de encontro, smart TVs, computadores e celulares para torná-los centros de mídia, comunicação e tecnologia.

- As plataformas de streaming, canais e redes de televisão deveriam liberar, sem custo, seus sinais e programação.

- Os youtubers, influencers digitais, celebridades midiáticas poderiam divulgar estas iniciativas e cada vez mais popularizar estes recursos. Podem também cobrar de seus patrocinadores, de seus investidores apoio financeiro para esta democratização digital. 

O acesso à internet não forma apenas consumidores, forma produtores de conteúdo e cidadãos preparados para o desafio destes novos e estranhos tempos.

Mesmo diante deste atual panorama, é bom e justo lembrar que existem inúmeras iniciativas e projetos sociais, em comunidades e bairros afastados, que já trabalham esta noção de solidariedade e do coletivo.

Se daqui para frente esta será nossa realidade, que ela seja sim para todos! E, só nesta hora, a frase “fique em casa” passará a fazer algum sentido.

 

 

Di Moretti é roteirista, com 23 longas produzidos e exibidos e muitos outros escritos.

Leila Bourdoukan
Leila Bourdoukan

Leila Bourdoukan é produtora cultural e jornalista, com passagens por produção, exibição e distribuição.

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