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Artigo / Audiovisual

26 Junho 2020

Rumo ao “novo normal” na indústria audiovisual

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O mundo todo passa atualmente por um período extremamente desafiador. Muito se tem debatido sobre os efeitos da pandemia de COVID-19 e seus impactos sobre a saúde, sobre a economia e, claro, sobre a indústria audiovisual. Os efeitos são brutais e instantâneos, e muitos se perguntam como sairemos dessa. Um momento propício, portanto, para reflexões quanto ao futuro

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De tudo que se tem falado e escrito sobre o tema, um denominador comum: o isolamento social necessário para vencer a batalha contra o coronavírus acelera tendências de comportamento e consumo já existentes. Da substituição de reuniões presenciais por videoconferências online ao aumento do consumo de vídeos pela internet, movimentos que já se notavam latentes ganharam força, passando ao status de força motriz da indústria audiovisual do futuro.

Não pretendo aqui negar este processo, de um lado, nem projetar cenários definitivos de longo prazo, de outro: uma vez ultrapassada a fase mais aguda da pandemia as pessoas desejarão, na medida do possível, retornar à normalidade. Ir ao cinema ou a um concerto musical exigirão por um tempo certos cuidados – mas não deixarão de existir (muito ao contrário!), como comprovam pesquisas feitas junto a consumidores no Brasil e em outros países.

Chegaremos, portanto, à tão comentada “nova normalidade”. Como será? Quais os impactos para a indústria audiovisual? A reflexão que proponho aqui é: mais do que tentar adivinhar o futuro, a resposta está em ações que podem ser tomadas hoje, a partir de discussões que ocorrem ao mesmo tempo em que lutamos contra a COVID-19 e seus efeitos sociais e econômicos.

E a principal destas discussões ocorre atualmente em torno da regulamentação de serviços de vídeo online, em seus formatos linear e não linear (VOD – ou vídeo sob demanda). No momento em que escrevo estas linhas, a questão se encontra em discussão na ANATEL, ANCINE, Conselho Superior de Cinema e chegou ao Supremo Tribunal Federal – com escopos e contornos distintos, abordando aspectos diferentes de um mesmo tema.

Em jogo, o futuro de uma indústria com imenso potencial, em processo de franca expansão no mundo todo. A partir de qualquer ângulo que se analise a questão, a “nova normalidade” passa pelo desenvolvimento dos serviços de vídeo online no Brasil, com geração de riquezas e oportunidades para nossa indústria audiovisual. Dar condições para o seu fortalecimento, nas suas diversas modalidades, é das medidas mais importantes para a retomada pós-pandemia, a partir da atração de investimentos em infraestrutura e produção de conteúdo. 

De acordo com dados levantados pela consultoria IHS Markit, em 2018 os serviços de vídeo sob demanda, sejam financiados por assinaturas (SVOD), por receitas de publicidade (AVOD) ou mediante aquisição ou aluguel de obras específicas (TVOD) somaram apenas 9% das receitas totais do setor audiovisual no Brasil, contra 45% da televisão aberta e igual percentual da TV por assinatura. Há muito a crescer e imensas oportunidades.

Enquanto no resto do mundo a disputa por esse mercado se acirra nas chamadas “streaming wars”, em que empresas do porte de Apple, Disney e Warner Media se preparam para abocanhar fatias de mercado ao lado de empresas como Netflix e Amazon, no Brasil a insegurança jurídica e modelos arcaicos de tributação tem atrasado a entrada de novos players e a realização de investimentos mais do que necessários. O Brasil está entre os dez maiores mercados audiovisuais do mundo, e certamente tem condições de abocanhar uma parcela dos investimentos globais no setor que, em 2018, totalizaram mais de US$ 100 Bi (isso mesmo, 100 bilhões de dólares) apenas em produção de conteúdo, de acordo com relatório publicado pela plataforma de inteligência de mercado da conhecida revista Variety.

Para que isso aconteça, é necessária a remoção de obstáculos que impedem a expansão destes serviços. É o caso, por exemplo, da Condecine-título cuja aplicação ao VOD se deu por meio de Instrução Normativa da ANCINE. É consenso entre reguladores e agentes de mercado que a Condecine (uma contribuição setorial voltada ao desenvolvimento da própria indústria), se cobrada a partir da exploração comercial de cada título como estabelecido pela atual regulamentação, gera efeitos opostos aos pretendidos: atua como barreira à entrada de novos competidores e onera excessivamente os títulos de menor apelo comercial, reduzindo investimentos e o dinamismo do setor.

Outra questão de enorme relevância diz respeito à discussão no âmbito da ANATEL sobre o regime jurídico aplicável aos serviços de conteúdo linear disponibilizados pela internet. Discute-se ali se tais serviços devem ser considerados como equivalentes à televisão por assinatura (e, portanto, um serviço de telecomunicação), ou se devem ser classificados como “serviço de valor adicionado”, e portanto sujeitos à regulação definida pelo Marco Civil da Internet. Ao lado de argumentos jurídicos, a classificação como serviço de telecomunicação representaria a criação de barreiras à entrada de novos players e a redução da competitividade neste setor – encarecendo os serviços, diminuindo as opções de consumo e reduzindo no longo prazo a demanda por conteúdo – inclusive o conteúdo brasileiro.

Eis aqui o ponto a ser observado em todas as discussões existentes em torno do tema: reduzir as incertezas regulatórias e facilitar a entrada de novos players no mercado de vídeo online é algo que beneficia todos os elos da cadeia audiovisual – plataformas, produtores e consumidores. O aumento da competição leva necessariamente ao aumento da demanda por conteúdos e à valorização do conteúdo nacional; favorece também os consumidores, mediante maior poder de escolha e custos reduzidos.

Se há algo de certo quanto ao futuro de nossa indústria pós-COVID, é que o online terá ainda mais relevância. Para que possamos tirar proveito dessa realidade, é fundamental que sejam criadas condições para o desenvolvimento da indústria audiovisual neste ambiente. Cabe ao setor e aos entes reguladores a tomada de decisões em prol de maior concorrência, mais investimentos e atenção aos interesses dos consumidores, rumo a um “novo normal” de crescimento e oportunidades.

José Maurício Fittipaldi
José Maurício Fittipaldi | fittipaldi@jmfmedia.com.br

JOSÉ MAURÍCIO FITTIPALDI (fittipaldi@cqs.adv.br / http://linkedin.com/in/jfittipaldi) – Advogado especializado nos mercados de mídia e entretenimento, sócio de CQS|FV Advogados (www.cqs.adv.br). É também sócio-fundador da JMF Media, onde presta consultoria a grandes players dos mercados de mídia e entretenimento, e co-fundador da Animus Consultoria e Gestão, especializada na gestão de investimentos sociais privados para investidores nacionais e internacionais (www.animusconsult.com.br).

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