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Artigo / Produção

24 Junho 2020

Quem assegura Hollywood?

Em tempos de Covid19 e quarentena, os desafios da retomada das produções americanas indicam que o futuro pós-pandemia vai priorizar filmes com elenco menor e produções mais enxutas

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Aqui em Hollywood a única certeza que se tem é que precisamos aprender a conviver com as incertezas. Mesmo na lenta reabertura do maior polo de cinema e televisão do mundo, pairam dúvidas e reticências. Sobretudo em saber quando as produções irão retomar – e como. Para além das questões de saúde, e dos riscos de contaminação em um set com, em média, 300 pessoas, há o dilema do financiamento. Ou melhor, da falta de financiamento. Os estúdios e canais, e mesmo os streamings, podem até espernear que querem voltar às atividades normais. Entretanto, quem irá assegurar (no sentido literal da palavra) os custos de produção, e de uma possível paralisação pela segunda onda de Covid-19 prevista para o inverno no hemisfério norte? Há três possibilidades: os bancos, as seguradoras e as empresas de títulos (bond companies). Até agora, nenhum deles se manifestou a favor de assumir os riscos. Fora isso, quem tomar a dianteira irá, com certeza, repassar custos de seguros altíssimos às produtoras, estúdios e distribuidoras. Portanto, mesmo com a retomada da vida “normal”, não há, até agora, quem peite a ameaça de uma nova interrupção nas produções audiovisuais. É mais barato nem abrir produção.

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Enquanto a batata quente passa de mão em mão, Hollywood e “streamland” aproveitam para desenvolver projetos. Centenas. Há financiamento para salas de roteiro (todas virtuais) como há muito tempo não se vê. Há, também, escassez de roteiristas no mercado. Bem, roteiristas e advogados do audiovisual, obviamente – afinal, quem faz todos esses contratos?

Do lado da distribuição, sejamos sinceros: a crise já estava instaurada desde 2018, quando os streamers começaram a sugar todo o conteúdo para as telas pequenas. O Covid-19 veio acirrar esta crise, e mostrar para os exibidores que o antigo modelo de distribuição não voltará a funcionar. Não digo que as salas de cinema irão padecer de espectadores. São os filmes menores que já padecem de salas de cinema. E agora, com os riscos letais de contágio em uma simples saída para pegar um cineminha, que distribuidor irá se arriscar a investir em P&A? Mesmo de um filme de ação ou animação? Melhor pular a primeira janela: essa é, infelizmente, a conclusão do momento.

Portanto, chegamos à grande dicotomia da pós-quarentena. Já sabemos que antes deste vírus só se investia P&A em blockbusters e wide release (lançamentos com no mínimo 600 salas espalhadas por todo o país), ou seja, em filmes de ação com um elenco estelar, centenas de pessoas no set e, geralmente, locações em outros países. Em outras palavras, os filmes de estúdio. E, com as restrições de set e de viagem atuais, esses filmes estão temporariamente suspensos. Adivinhe quem mais sofre com as consequências imediatas? Acertou: os estúdios e os exibidores. O mesmo se aplica aos filmes de animação, que demoram cerca cinco anos para ficar prontos e não conseguirão atender à demanda pós-isolamento das salas de cinema. Eu outras palavras, o velho sistema range seus dentes.

Enquanto isso, as pequenas e médias produtoras se acertam com os streamers, que crescem exponencialmente, coletam seu dinheiro e continuam produzindo. Quem ganha com tudo isso: os filmes independentes. O famoso B.O., de baixo orçamento, cronograma rápido e atração para quem precisa de conteúdo.

Agora voltemos ao início. Vamos, por um momento, imaginar que a questão do seguro e suas apólices infladas foi resolvida. Quando isso acontecer, haverá, muito provavelmente, uma corrida para a retomada de produções pequenas e médias. O que já se sabe sobre essa retomada:

1) Serão priorizados projetos com elenco e equipe menores. De preferência com até 50 pessoas no set.

2) Mega estrelas que tinham migrado para as séries de TV estão declarando que irão tirar um período sabático. Não precisam do dinheiro e não querem se expor ao vírus. Isso dará protagonismo, literalmente, a atores iniciantes. O mesmo podemos prever sobre diretores e DPs.

3) Haverá uma tendência a não viajar com elenco e equipe. Los Angeles voltará a abrigar produções que antes se deslocavam ao leste europeu, ou ao Canadá, em busca de incentivo fiscal.

4) Quando ocorrer, o deslocamento para filmar fora será para países que tiveram uma boa atuação contra o vírus. Com isso, já se nota um aumento da oferta de incentivo fiscal em alguns territórios. Irão se sobressair países com baixas taxas de contaminação e mortalidade, como, por exemplo, a Hungria, que teve cerca de 500 mortes e oferece boas condições fiscais - apesar da marcha acelerada para um autoritarismo violento.

Em outras palavras, parece que estamos nos aproximando de uma fase de caras novas, filmes baratos e exibição caseira. O resto será História.

Laura Malin
Laura Malin

Laura Malin é executiva de desenvolvimento e distribuição, além de roteirista e autora de livros. Fundadora da Malin Entertainment (www.malinentertainment.com), Laura representa clientes brasileiros e internacionais em Los Angeles, onde está baseada. É parceira da Escarlate no projeto da série ficcional “A Juíza”, inspirada na juíza Patrícia Acioli, assassinada, em 2011, em Niterói (RJ), com roteiro que está desenvolvendo em três temporadas.

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