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Artigo / Ensino

18 Junho 2020

A experiência remota do ensino superior de audiovisual

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Uma reflexão necessária

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No dia 04 de junho, a TONKS/EXIBIDOR realizou um werbinário sobre A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE AUDIOVISUAL FRENTE À PANDEMIA[1], com a presença de Alessandra Meleiro, professora da UFSCAR e presidenta do FORCINE, Minom Pinho, CEO da startup  NAVEGA de cursos on line e comigo, ex-presidenta do FORCINE, professora e coordenadora de uma pós-graduação em cinema e audiovisual da FAAP. Graças a essa diversidade entre as painelista, o debate contou com uma amplitude de visões que permitiu reflexões profundas acerca da situação de pandemia, gerada COVID-19, nos cursos livres, graduações e pós-graduações públicas e privadas.

Foi bastante positiva a interação de todos as e os participantes, com diversas perguntas que enriqueceram a discussão e que mostraram que estamos nos encaminhando para o tão necessário diálogo entre o mercado e a formação, onde um reconheça que depende da outra e vice-versa.

Desde o início de minha fala, procurei deixar claro que as escolas e mercado, principalmente o cinematográfico, têm como realidade as históricas crises. Elas, infelizmente, parecem fazer parte do DNA do nosso País. Não tivemos “fases” ou “ciclos”, tivemos “surtos”, como bem disse o cineasta e jornalista Alex Viany. Então, de certa forma, inconscientemente estamos sempre em estado de alerta, esperando pelas crises e nos tornando resilientes. No caso das escolas, desde as primeiras experiências dentro das universidades nos anos da década de 60, sabemos que as tempestades vêm inexoravelmente, e nelas alguns cursos sucumbem e outros permanecem, cada vez mais fortes, atraindo um número enormes de jovens que escolhem o mercado audiovisual para sua vida profissional, como já discorri na EXIBIDOR n° 36, JAN-MAR-2020.

Um exemplo disso? Em plena terra arrasada da Era Collor, as escolas seguiram produzindo uma grande quantidade de filmes em formatos curtos, o que garantiu uma geração importante de cineastas para (quase) todas as áreas do nosso mercado.

Sabemos que a crise recente do audiovisual brasileiro não é responsabilidade única do coronavírus. A situação confortável que estávamos vivendo, em função dos marcos regulatórios criados para proteger e estimular a indústria audiovisual brasileira nessas últimas décadas, foi sendo sistemática e programaticamente deteriorada desde 2018.

Mas será que há precedentes históricos para a crise que se agrava a cada dia, em função da pandemia?

 

Uma crise sem precedentes e as reações das escolas

Recentemente a diretora-administrativa do FMI, Kristalina Georgieva, em uma coletiva de imprensa conjunta com a líder da Organização Mundial da Saúde, disse que a pandemia gerará uma crise financeira global muito pior do que a de 2008-2009. Aqui no Brasil, sem perspectiva de diminuição da contaminação pelo COVID-19, com o número de óbitos em curva ascendente, o mercado audiovisual, em desespero pela situação dos seus profissionais, prepara uma retomada gradativa de suas atividades, com alguns protocolos de segurança. Se eles se mostrarão minimamente eficazes ainda é uma incógnita.

Aqui vale uma ressalva: algumas atividades do mercado continuaram virtualmente, o mesmo ocorrendo dentro de algumas instituições de ensino superior, que tiveram de se adaptar rapidamente ao ensino remoto.

E mais uma observação: a imensa maioria das escolas da área audiovisual possui cursos integralmente presenciais, então não é possível dizer que foi implantado o ensino a distância (EAD) nesses tempos de isolamento social. O EAD pressupõe uma série de metodologias e práticas que demandam estruturas, projetos pedagógicos e recursos planejados com tempo e cuidado (pelo menos é o que se espera...). O que procuramos fazer, dado nossos prazos e formação, foi adaptarmos nossos conteúdos para o ambiente virtual, visando atender as e os estudantes com rapidez e com a melhor qualidade possíveis.

Em face ao afastamento social, as escolas presenciais tiveram autorização do Ministério da Educação para atuação remota através de uma portaria, de n° 343, publicada no dia 17 de março de 2020. Mas “autorizar” não significa garantir recursos, ao que parece.

A maior parcela das universidades públicas está com as aulas suspensas, uma vez que optou por não adotar o ensino remoto, em respeito às realidades de docentes e, principalmente, de discentes, que não possuem amplo acesso a recursos tecnológicos. Nas nossas “bolhas” muitas vezes ignoramos o quão alijadas as pessoas ainda estão de, por exemplo, internet rápida. Ou seja: o ensino remoto seria um falso “tapa buraco”, pois só aumentaria o abismo.

Quanto às escolas privadas, tivemos de nos adaptar rapidamente à nova realidade, porém, se ressalte, mesmo entre as “particulares” há grandes, abissais, diferenças. Como não seria possível aqui relatar as experiências todas, vou me restringir a falar sobre o que venho vivenciando como professora, de forma pessoal, sem a pretensão de dizer que é uma situação universal.  Minhas reflexões contam com a colaboração inestimável do coordenador do Departamento de Cinema da FAAP, o professor Humberto Neiva.

Mesmo fazendo parte de uma instituição de ensino superior de estudantes com renda alta, notamos que alguns docentes e discentes não tinham equipamentos ideais para o ensino remoto. Em uma semana, desde a decisão sobre o início do isolamento até a retomada do ensino em ambiente virtual, tivemos de adquirir softwares, passar licenças para estudantes e professores, fazer treinamentos e um sem número de reuniões trocando experiências e exercendo, muito, a solidariedade. Foram horas e horas diárias preparando aulas e exercícios, fazendo vídeos e trabalhando alternativas de forma conjunta. E talvez essa seja a primeira lição do período: o exercício da empatia e da solidariedade.

Não foi e não é fácil para ninguém, já diz o ditado, e o ambiente virtual pode sugar as nossas energias se não tivermos muito cuidado. Surpreendemente, notamos que a maioria das pessoas foi versátil e se adequou à nova realidade. Até mesmo estudantes com histórico de não muita frequência passaram a participar da vida acadêmica à distância. Outras pessoas, como era de se esperar nesse período, sofreram de ansiedade e depressão e perderam a motivação. Aí entra novamente a solidariedade, o segurar a mão de quem está precisando, de adotar uma nova postura frente ao que é o processo de aprendizado, que está além da mera transmissão de conteúdo. Olhar nos olhos de colegas e estudantes, no cativeiro das telas grandes e pequenas, e captar os seus estados de espírito torna a jornada bem mais desafiadora e coletiva.

Aproveitamos o ambiente virtual e a flexibilidade de agendas de algumas e alguns profissionais para chamar debates[2] dentro da comunidade acadêmica, atendendo a demanda de estudantes e com produção da coordenação do curso, em horários fora dos dedicados às aulas; recebemos Anna Muylaert, Denise Fraga, Rodrigo Teixeira, Hilton Lacerda, Jesuíta Barbosa, Claudia Priscilla e Kiko Goifman e muitas outras pessoas, para falar sobre audiovisual,  papel da imprensa, religião, mídias e tantos outros assuntos.

Vamos terminar o semestre de forma remota, mais de três meses em ambiente virtual, usando o Zoom e outras plataformas, com os conteúdos teóricos ministrados a contento de forma sincrônica e assincrônica. O maior desafio, entretanto, é:  como uma escola com grande enfoque em realização, em prática, pode atuar de forma virtual?

Sabemos que dentre as principais missões dos cursos superiores da nossa área está a de ensinar o valor da coletividade, criar ambientes de encontros para futuros profissionais e, principalmente, dar repertório e sentido para as práticas audiovisuais. Temos objetivos de ensinar e estimular que as e aos futuros cineastas FAÇAM e que, acima de tudo, saibam COMO e o PORQUÊ o fazerem, algo que se aproxima muito dos ensinamentos da Bauhaus, em que toda a teoria depende de uma prática e vice-versa. ISSO o ensino remoto não permite em sua totalidade.

A saída adotada por nós foi a de adiar o ensino de parte dos conteúdos práticos para o próximo semestre, quando as atividades presenciais forem retomadas. Adotaremos todos os protocolos de saúde e segurança que serão utilizadas para o mercado, afinal, em certo sentido, as escolas são grandes produtoras de conteúdo audiovisual, como já frisei.

Gostaria de concluir esse artigo dizendo que, como profissional de ensino com duas décadas de atividade, o período me obrigou a fazer novas reflexões sobre minha atuação docente. Embora siga crendo, e defendendo, que o ambiente presencial é o ideal, hoje compreendo que um ensino a distância efetivo, planejado como tal, pode colaborar para transmitir alguns conteúdos de forma mais democrática e acessível, principalmente em um país tão grande e com tantas desigualdades regionais e sociais.

Afinal de todas as tragédias devemos procurar extrair alguns ensinamentos.

 

[1] https://www.exibidor.com.br/noticias/mercado/10909-profissionais-do-ensino-em-audiovisual-falam-sobre-ead-e-futuro-da-formacao?fbclid=IwAR3P-YFUEPTbSIWj7KsJPMlma9dJpPBF8kQIXTRL5qlOz8HK9qlwG6uZdPU

[2] A esses eventos, que vieram para ficar, chamamos de Diálogos na Web- FAAP.

Luciana Rodrigues
Luciana Rodrigues

Luciana Rodrigues é coordenadora da Pós-Graduação em Gestão de Produção e Negócios Audiovisuais da FAAP e professora na mesma instituição. É parecerista da ANCINE, colaborou na criação e foi presidente do FORCINE- FÓRUM BRASILEIRO DE ENSINO DE CINEMA E AUDIOVISUAL. É Doutora e Mestre na área do Audiovisual pela USP, possui bacharelados em Comunicação- com Habilitação em Cinema- e em Direito.

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